domingo, 6 de fevereiro de 2011

PARA NÃO ESQUECER JAMAIS.




PASQUIM apresenta: PAULO FRANCIS NU E CRU

Editora Codecri - Rio de Janeiro – 1976

Dedicatória:

"Ao Jaguar, sem o qual O PASQUIM não existiria, mas que não é responsável pela minha raiva e melancolia."


Prefácio:

"Este livro é feito da minha correspondência de Nova York para O PASQUIM, entre junho de 1971 e dezembro de 1975. Uma seleção, naturalmente, do que achei que valia, entre a superficialidade e simplificação do jornalismo e o que a censura deixou que saísse. Apesar disso, não me envergonho e retifico nada do que disse. Sempre escrevi rápido, pensei rápido e vivi rápido (infelizmente morreu rápido). Sou o que está aí. As correções foram só de estilo, um ou outro número e titicas similares. Omiti matérias específicas sobre Vietnam e Watergate (mencionados às pampas, apesar disso). Não é modéstia. Fui o primeiro jornalista brasileiro não só a discutir a sério a guerra do Vietnam como a prever a vitória dos vitoriosos. E em Watergate previ em março de 1973 a queda de Nixon, o que ninguém ainda tinha feito na imprensa americana, embora a vontade fosse grande. Relendo os ditos cujos, porém, achei-os chatos e papel de embrulho do peixe de ontem. E chega: em 1972, falando nisso, escrevi um livro onde deixava clara minha posição (e previsões) sobre Vietnam e Watergate. Chama-se Nixon X McGovern: as Duas Américas (Francisco Alves). Aos interessados,acrescento que em 1972 Watergate era apenas um brilho no olhar de dois jornalistas do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein. Melhor companhia inexiste. Mas o livro é PASQUIM. Espero. Mantive ao máximo o tom de deboche do jornal, a melhor e maior contribuição que deu ao Brasil, que só no deboche se agüenta, desde 1964. É isso aí."


P.F.

1 INUTILIDADES

EM DEFESA DOS EUA



Agora que as cravelhas americanas estão caindo em alguns lugares, nenhum muito importante, falando nisso, até publicações conservadoras como The Economist acusam os EUA de uma política externa inepta e destrambelhada.
Peço vênia para discordar. Nunca houve uma política externa que funcionasse tanto como a americana, quando consideramos, a bem da verdade e da justiça, os handicaps que tem de enfrentar.
Considerem: durante 23 anos, de 1949 a 1972, Washington conseguiu a 2/3 do mundo que a ilhota de Taiwan era A CHINA, enquanto que a China propriamente dita não passava de ilusão de ótica, sendo populada por 800 milhões de energúmenos cuja única ocupação consistia em correr de um lado a outro do imenso e desperdiçado território, sem Beba Coca-Cola discernível nas ruas, brandindo um livrinho vermelho.
Se a China desapareceu 23 anos, o que dizer do inflacionamento da ilha de Cuba, que, entre 1959 e 1963, ameaçou militarmente o nosso champã, inclusive pretendendo converter Búzios em campo de colheita de cana, quando se tornaria insuportavelmente shangai? É com nostalgia sentida que recordo as manchetes de “O GLOBO” e outros diários democráticos em nossa pátria sobre o “barbudo tirânico” e a “cubanização do hemisfério”. Olhem o mapa e vejam o perigo de que escapamos graças à fiel praxis da máxima o preço da liberdade é a eterna vigilância.
E há a infinita criatividade americana em fase de circunstâncias extremamente adversas. Frustrada na tentativa humanitária de convencer a amarelos, marrons, negros, latinos e outras pessoas de cor, cuja tonalidade específica não me tenha ocorrido (ficam aqui, antecipadamente, minhas desculpas aos omitidos), a enfiarem anticoncepcionais nas respectivas mulheres, Washington, temendo que do jeito que os natios iam procriando em breve os americanos médios não poderiam mais comer 50 quilos de carne de boi ao ano, Washington começou a resolver o problema de maneira pronta e cirúrgica. Um bom exemplo é o controle da natalidade na Indochina, menos 1 milhão de cambojanos de um total de 7 em 5 anos de jornadas, e milhões, ninguém sabe ao certo quantos, de outra variedade de amarelos, os chamados vietnamitas. Ingredientes: TNT, herbicidas, pesticidas e napalm. Há ainda incontáveis mutilados, esfomeados e envenenados na região que se continuam vivos, por assim dizer, dificilmente poderão procriar, aumentando o excesso populacional. E demonstrando que não há hard feelings, nenhuma animosidade do povo americano na sua missão civilizadora. Washington, em bom tempo, importou alguns milhares de órfãos, tornados tais pelos ingredientes acima referidos, como souvenirs. Em breve, nas escolas públicas locais, serão apedrejados pelas mamães e papais das crianças brancas, mas com a experiência que adquiriram em escapar de bombas no Vietnam, o que é um paralelepípedo a mais ou a menos, sem falar do fato incontestável que estarão vivendo em muito melhores condições, pois, sob a chuva de pedras, terão o conforto de ler editoriais liberalíssimos no “New York Times” em defesa dos seus direitos de estudar, intitulados invariavelmente Irracionalismo em... segue-se o nome da cidade, já tendo sido sugerido que o “Times”, aderindo à nossa era eminentemente visual, coloque ao lado da palavra Irracionalismo o mapa completo dos EUA.

Washington é pragmática. O que é bom para o Vietnã nem sempre funciona em toda parte. Assim é que houve enorme alegria em Washington, traduzida na frase do então Presidente Lyndon Johnson, “uma grande vitória do mundo livre” quando o governo marron da Indonésia, em 1965, eliminou 1 milhão de marrons da lista dos aspirantes à comida, revelando uma iniciativa insuspeitada da parte de marrons, principalmente porque os marrons “dispensados” pertenciam às hostes do principal inimigo da humanidade e preocupação suprema de Washington, a “conspiração comunista internacional”, ora, sem sede fixa (já se baseou em Moscou, Pequim, Praga e em Havana), pois demônios contam entre as artes que dominam a capacidade de desaparecer temporariamente da nossa vista. Mas estão sempre conosco. Eles se infiltram, eles se mascaram.

Há também a alternativa aplicada nos marrons da Índia. Essa, sutil e rotineira. A fim de produzir uma agricultura de subsistência, já que dão à luz com maior assiduidade que o gado que adoram, uma bárbara se pitoresca religião, imaginem só um deus que faz “mu”, os marrons lá precisam de um dos produtos do gênio americano, os fertilizantes. Sempre disposta a auxiliar os menos favorecidos (vide parágrafo acima sobre os órfãos vietnamitas), Washington despachou para lá a Standard Oil da Califórnia (ou será de Indiana? Não tem importância, mudam os nomes apenas. “Uma rosa se chamada por outro nome”, como diz o mais famoso poeta daquela deliciosa ilhota que os EUA administram, a Inglaterra, permitindo generosamente aos ilhéus a ilusão de que se autogovernam), de propriedade do filantropo Nelson Rockfeller, da fundação do mesmo nome. A líder marrom local achou os preços dos fertilizantes um tanto caros. Considerando que o freguês tem sempre razão, a Standard Oil não insistiu. Washington, porém, acredita que às vezes um pouco de energia é necessária no trato dos nativos, para o bem deles próprios, e suspendeu créditos (empréstimos, não doações. A caridade é um estímulo à preguiça) até que a líder marrom aceitasse os preços da Standard Oil. Isso feito, os créditos e os fertilizantes foram prontamente fornecidos. Tudo OK. O Calcutá!
Washington sente-se profundamente incompreendida pelos que beneficia e protege. Um exemplo é o Chile. O país, em plena liberdade, coisa a que os latinos não estão habituados, admitindo eles próprios que quem nunca comeu melado quando come se lambuza, começou a adotar as sinistras práticas ditadas pela “conspiração comunista internacional”, encampando diversas empresas dos EUA, o que, evidentemente, provocou o caos na economia chilena. No afã de ensinar uma lição proveitosa aos latinos, Washington usou a influência que tem no chamado Banco Mundial e outras chamadas instituições internacionais de crédito, cortando completamente empréstimos ao governo responsável pelo crime contra a economia chilena, e, apertando o parafuso, enviou em masse funcionários da maior agência filantrópica dos EUA, a CIA, a Havana, digo, a Santiago, os nomes latinos são fáceis de confundir, e esses abnegados distribuíram 13 milhões de dólares suados dos contribuintes americanos às forças democráticas locais, não lhes cobrando recibo ou imposto de renda, como é típico de Washington, porque a generosidade em alguns casos rende mais proventos a longo prazo do que rigores fiscais. A conseqüência disso foi a emergência do governo Pinochet, que rapidamente eliminou todos os focos de subversão, restabelecendo a democracia, que será implantada com todos os formalismos de praxe (formal trappings) nos próximos 40 ou 50 anos, a julgar pelo predecessor e êmulo de Pinochet, o generalíssimo Franco da Espanha que, há 37 anos, apesar dele próprio já estar queimando óleo 70, aos 81 anos de idade, impede que o povo espanhol, irresponsavelmente, seja seduzido pelas blandícias da “conspiração comunista internacional”.
Acredito que os exemplos supracitados sejam suficientes para demonstrar os êxitos da política externa dos EUA e o espírito que a anima. Eu poderia citar outros, mas me contenho porque penso no preço do papel, que o Brasil importa a dólares, e não quero pesar sobre o PASQUIM, que colabora com as nossas importações, aceitando a desvalorização mensal do cruzeiro em fase do dólar, o que estimula as exportações americanas para nossa pátria e, garantindo dest’arte a riqueza dos EUA, de tabela damos nossa modesta contribuição à segurança e integridade do Mundo Livre.

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