quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

MEAN STREETS



A verdadeira penitência não é feita na igreja.
É feita nas ruas. É feita em casa.
O resto é besteira, e você sabe.




Um time composto por Martin Scorsese na direção, Harvey Keitel e Robert De Niro no elenco e Rolling Stones na trilha sonora não poderia dar errado. “Caminhos Perigosos” (Mean Streets, EUA, 1973), segundo longa-metragem da extraordinária carreira do cineasta nova-iorquino, soma esses ingredientes para se tornar um dos maiores e menos reconhecidos momentos do cinema norte-americano da primeira metade dos anos 1970. Embora menos celebrada de que as obras-primas vindouras de Scorsese (especialmente “Taxi Driver” e “Touro Indomável”), a produção é o primeiro grande momento de Scorsese, e carrega várias das marcas registradas do diretor, compondo um registro visceral e dinâmico da vida nas ruas barra-pesadas da metrópole americana.
É verdade que, à exceção da banda inglesa de rock’n’roll, nenhum dos nomes citados acima fazia parte do primeiro time da cultura pop na época do lançamento do filme. Scorsese dava os primeiros passos no cinema, e os dois atores ainda lutavam por um lugar ao sol. “Caminhos Perigosos” foi, na verdade, a primeira produção realmente profissional do diretor, já que o filme anterior dele, “Quem Bate à Minha Porta?”, era uma versão alongada do trabalho de conclusão da faculdade de cinema. E é um filme excepcional, encharcado por uma sensação permanente de energia juvenil, uma produção que reflete o perigo e a imprevisibilidade da vida no submundo.
Não é segredo para ninguém que a geração de Scorsese mudou a cara do cinema de Hollywood. Naqueles primeiros anos da década de 1970, saíam de cena os melodramas e thriller estilizados, para dar lugar a um cinema cru e direto, cheio de palavrões, nudez e gírias de rua. Os filmes de Scorsese e Coppola, entre outros, queriam levar à tela a realidade suja e feia das grandes metrópoles, a realidade como ela era. Esses autores se recusavam a construir mundos de fantasia nos seus filmes. Neste sentido, “Caminhos Perigosos” é um filme importantíssimo, crucial para a definição dos temas que interessam ao diretor. Se visto com atenção, o trabalho aponta para tudo de importante que Scorsese faria nas décadas seguintes.
Um das maiores qualidades do filme está nos diálogos cheios de ironia e cinismo, falados do jeito truncado e cheio de gírias que as pessoas usam na vida real. Com Scorsese, os atores não mais esperavam os parceiros terminar de falar para poderem dizer suas frases. Eles erravam, começavam de novo, interrompiam o outro, falavam palavrões e gírias aos montes. Tinham o gingado dos mafiosos de terceira categoria. Era até incentivados a isto – Scorsese costumava orientá-los a não recitar os diálogos ao pé da letra, mas reconstruí-los como se estivessem falando na vida real. “Caminhos Perigosos” possui o tipo de material que Scorsese iria refinar e melhorar em filmes seguintes, especialmente no clássico “Os Bons Companheiros”, de 1990.
Aliás, a sinopse de “Caminhos Perigosos” lembra bastante este último, já que trata de um jovem aprendiz de mafioso tentando subir na vida. Charlie (Harvey Keitel) é o típico rapaz do bairro de Little Italy, NY: jovem, católico e cheio de energia. Ele é sobrinho de um importante mafioso que o está preparando como sucessor. Charlie vem fazendo pequenos trabalhos para o tio, enquanto se diverte com amigos como o imprevisível Johnny (De Niro), e namora uma vizinha de origem chicana (Amy Robinson). Os dois, pobretões condenados à vida nas ruas, são o tipo de companhia que o tio não quer por perto. Para Charlie vingar na profissão de mafioso, precisa se livrar de figuras como os dois.
A rigor, não existe uma trama. O filme acompanha os dias e (principalmente) as noites do personagem principal, apresentando um retrato violento da vida no subúrbio das grandes metrópoles. Mafiosos atiram uns nos outros em banheiros de bares, enquanto a juventude só quer saber de engolir quantidades nababescas de álcool. Permeando tudo, há a cultura católica, o medo da punição divina que faz os mafiosos descendentes de italianos viverem um conflito permanente entre os prazeres da carne e as obrigações espirituais. Charlie, por exemplo, “conversa” com Jesus nos próprios termos vulgares, ao invés de usar orações. As seqüências de ação, como o assassinato no bar e o violento tiroteio final, são excitantes e realistas. No todo, um filme imperfeito, mas cheio de energia criativa.
O DVD simples da Warner é interessante, A qualidade do filme está ótima, com imagem correta (widescreen 1.85:1 anamórfica) e som OK (Dolby Digital 1.0). Há um comentário em áudio de Scorsese e um pequeno making of da época das filmagens (7 minutos).
- Caminhos Perigosos (Mean Streets, EUA, 1973)
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Harvey Keitel, Robert De Niro, David Proval, Amy Robinson
Duração: 111 minutos

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