quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PENSAR PROFESSOR PENSAR.



EMPREENDEDORES DEMONÍACOS
por Martim Vasques da Cunha


Sabe qual é a razão do povo brasileiro defender o Estado como uma Providência divina e se esquecer dos empresários que fizeram a economia crescer?

Eis a resposta: nunca fizeram filmes sobre eles.

Isso mesmo, você leu corretamente. Se um ou dois empresários brasileiros juntassem os seus dinheirinhos e investissem em um filme que os mostrasse, não como heróis, não como vilões, mas sim como seres humanos, o Brasil teria plena noção da sua importância para o cotidiano.

Vejamos os seguintes exemplos dos EUA, esta nação em que macaqueamos o que tem de pior e não imitamos o que tem de melhor. Garanto que, se não fosse por Orson Welles e seu Cidadão Kane, os americanos não teriam dado a importância que hoje dão para a impresa. Algum engraçadinho argumentará que Hearst – o inspirador de Charles Foster Kane – fez de tudo para destruir a carreira de Welles (o que conseguiu), mas pense bem antes de dizer esta besteira: você acha que se lembraria de Hearst se não fosse por Kane? Você se lembraria de Watergate se não fosse por Dustin Hoffmann e Robert Redford? Lembraria-se da indústria do tabaco se não fosse por Al Pacino e Russell Crowe? Ou quando vê notícias sobre mineiros enterrados no Chile não lhe vem à memória as imagens de um Kirk Douglas querendo tirar a notícia a qualquer custo?

Notem que não eram filmes elogiosos; muitas vezes, são filmes críticos, até ácidos, que vão contra qualquer princípio do capitalismo saudável; contudo, eles são, antes de tudo, obras de arte feitas para conquistar o espectador com sua ambigüidade – e esta tem a vantagem de ser muito mais persuasiva do que qualquer visão de mundo, porque permite ao espectador que construa a história em sua cabeça e o faça julgar por si mesmo.

Ora, por que o Brasil não fez o mesmo? Até agora, o único filme que fez isso foi Tropa de Elite, que mostrou a polícia e a questão do tráfico de drogas como um problema bem cabeludo – e deu no que deu: sucesso de bilheteria e Urso de Ouro em Berlim. (Além de, claro, da criação de um personagem imortal: o Capitão Nascimento)

Logo, os empresários deveriam investir nisso, se quiserem manter uma certa compreensão do povo brasileiro a respeito de suas atividades. Tenho a impressão de que, se não fizerem isto logo, serão jogados na vala do esquecimento e lembrados somente através do filtro do desprezo e do ressentimento.

Mas claro que isso não é culpa somente do povo ou do Estado Previdência. O fardo cai sobre os próprios empresários. Em geral, são incapazes de articular uma sentença com sujeito e predicado. Infelizmente, só pensam em quanto vão ganhar – e quando investem em alguma coisa é sempre para satisfazer o ego ou então para agradar alguma ONG de pretensa caridade que, no fundo, é uma lavanderia de dinheiro sujo.

Além disso, argumentarão que nunca foi feito isso – um filme sobre empresários inovadores – nos termos em que escrevi acima. Pois eu os mostrarei um exemplo recente - que se chama The Social Network.

The Social Network é o novo filme de David Fincher, o nosso velho conhecido de Seven, The Game, Fight Club e Zodiac. Exceto por seu último trabalho, O Curioso Caso de Benjamin Button, ele geralmente costuma a acertar no que faz. Com a ajuda do roteiro de Aaron Sorkin, o mesmo sujeito que nos deu The West Wing, Fincher conta a história de nada mais nada menos do que a criação do Facebook.

A essa altura do campeonato, todos já sabem que não se trata de um filme elogioso. Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, é descrito como um egocêntrico que vende a própria mãe e traí os amigos para realizar a sua ambição. Ao que parece, Fincher não fez uma ode ao capitalismo e sim uma descrição daquilo que diferencia o empresário do resto da sociedade: o daimon do empreendedorismo, a força criativa que leva o sujeito a ser um inovador a qualquer custo e criar um negócio que transformará a sociedade em suas estruturas mais profundas. É algo inexplicável e, de certa forma, envolve um processo alquímico que se assemelha a uma obra de arte: o empresário reflete as suas necessidades mais profundas no negócio e, de forma paradoxal, consegue resolvê-las impondo a um público que, vejam só, também quer encontrar um meio de resolvê-las em suas vidas.

Como bem escreveu David Denby em um artigo sobre o filme para New Yorker:

From the first scene to the last, “The Social Network” hints at a psychological shift produced by the Information Age, a new impersonality that affects almost everyone. After all, Facebook, like Zuckerberg, is a paradox: a Web site that celebrates the aura of intimacy while providing the relief of distance, substituting bodiless sharing and the thrills of self-created celebrityhood for close encounters of the first kind. Karl Marx suggested that, in the capitalist age, we began to treat one another as commodities. “The Social Network” suggests that we now treat one another as packets of information.

(Desde a primeira cena até a última, "A Rede Social" aponta para uma mudança psicológica produzida pela Era da Informação, uma nova impessoalidade que afeta quase todos. Afinal, Facebook, como Zuckerberg, é um paradoxo: um site que celebra a aura de intimidade, proporcionando o alívio da distância, substituindo a partilha sem corpo e as emoções de celebrityhood auto-criado para encontros íntimos do primeiro tipo. Karl Marx sugeriu que, na era capitalista, começamos a tratar uns aos outros como mercadorias. "A Rede Social", sugere que agora tratam um ao outro como pacotes de informação.)

Obviamente, o empresário brasileiro tem medo de fazer um filme que, ao mostrá-lo como alguém problemático, traria ao público áreas de sua personalidade que não são muito agradáveis. Mas não deveria ter isso. Afinal, alguém duvida que The Social Network não será um maravilhoso incentivo para os negócios do Facebook? Dizem que Mark Zuckerberg não aprovou o filme – o que é ótimo porque mostra a imparcialidade de David Fincher -, mas isto não significa que ele prejudicará a marca. Querem apostar que, se The Social Network for um sucesso de crítica e público, será a única forma de manter na memória das pessoas o logo do Facebook quando este for substituído pela última moda do momento?

No Brasil, onde uma empresa é engolida por outra ou então as empresas são engolidas pelo próprio Estado, o daimon do empreendedorismo é substituído pelo demônio da amnésia. Fica aqui a dica: empresários do nosso rincão brasileiro, invistam em filmes sobre suas próprias vidas! Dêem liberdade total para os bons roteiristas e os bons cineastas para criarem as obras de arte que vocês precisam! E, claro, se derem tudo isso, pagarem bem e a sua história provar ser realmente uma boa história, saibam que serei o primeiro a fazer isto.

(Como diria John Wayne em The Searchers: That´ll be the day.)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ESTÃO CHEGANDO.

Dos quadrinhos para tv.








The Walking Dead é uma história em quadrinhos mensal, Norte-Americana, publicada pela Image Comics desde 2003. Criada por Robert Kirkman com a arte de Tony Moore e Charlie Adlard.
A história foca um grupo de pessoas comuns tentando sobreviver no que se tornou o mundo após uma infestação de zumbis. Um dos pontos fortes da série é ir além da pura e simples carnifiça e explorar também conflitos internos, disputas de poder e até mesmo levantar críticas sociais.
Os Zumbis de The Walking Dead são mortos-vivos normais, com as mesmas características padrões. Sem inteligência, errantes, em decomposição, comem qualquer ser vivo, detidos apenas com trauma cerebral, mordida fatal. Há alguns detalhes diferentes e interessantes que serão descobertos no decorrer da trama.

Em novembro na FOX... que venha já!!!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

DIREITOS? E OS DEVERES?





Restos à janela
por Luis Felipe Pondé

Quais seriam os “direitos” em questão da mulher? De ser feia? De disputar o Prestobarba de manhã?

SOU UM tanto maníaco por detalhes. Às vezes, me pego pensando em Walter Benjamin, o grande pensador judeu alemão que se suicidou durante a Segunda Guerra Mundial, e entendo sua obsessão pelos detalhes do mundo.
A matéria de que é feita a consciência muitas vezes se encontra nos detalhes, principalmente nos restos do mundo, restos ridículos de um mundo em clara agonia. Hoje vou dar um exemplo de como uma migalha do mundo pode ser representativa do nosso ridículo.
O detalhe ridículo de hoje se refere a um novo movimento de conscientização que nasce. Vejamos.
O que haveria de errado em mulheres que querem atrair os homens e por isso se fazem bonitas? Macacas atraem macacos, aves fêmeas atraem aves machos.
Mas parece haver umas pessoas por aí que acham que legal é ser feia. É, caro leitor, se prepare para a nova onda feminista: mulheres peludas. Para essas neopeludas que não se depilam ter pelos significa ser consciente dos seus direitos.
Quais seriam esses “direitos”? De ser feia? De parecer com homens e disputar o Prestobarba de manhã? Antes, um reparo: “direitos” hoje é uma expressão que serve para tudo. Piolhos terão direitos, rúculas terão direitos, ratos já têm direitos. Temo que apenas os machos brancos heterossexuais não tenham direitos.
Pensou? Machista! Desejou? Machista! Deu um presente? Machista! Se você aceitar ser eunuco, obediente, desdentado e, antes de tudo, temer a fúria das mal-amadas, aí você será superlegal. De repente, elas exigirão uma sociedade onde todos terão seu Prestobarba. Cuidado ao passar a mão nas pernas delas porque será como mexer nas suas próprias pernas.
Estou numa fase preocupado em ajudar o leitor a formar um repertório que escape do blá-blá-blá mais frequente por aí. Por isso, nas últimas semanas, tenho indicado leituras.
Proponho hoje a leitura de “Feminist Fantasies” (fantasias feministas), de Phyllis Schlafly, cujo prefácio é assinado por Ann Coulter, a loira antifeminista que irrita a esquerdinha obamista, antes de tudo, porque é linda, com certeza.
Para piorar, Ann Coulter é inteligente e articulada. Mas, em se tratando de mulher, é antes de tudo a inveja pela beleza da outra que move o mundo a sua volta.
Dirão as ideólogas do “eunuco como modelo de homem” que a culpa é nossa (masculina) porque as mulheres querem nos seduzir e, aí, elas se batem na arena da sedução. Mas, se elas não quiserem nos seduzir, qual seria o destino de nossa espécie? Para que elas “serviriam”? Deveriam elas (as que querem ser bonitas para nós homens) ser condenadas porque são normais?
O primeiro artigo deste livro é já uma pérola de provocação:“All I Want Is a Husband” (tudo o que quero é um marido).
Contra a “política do ódio ao macho”, nossa polemista afirma que a maioria das mulheres, sim, quer, antes de tudo, amor e lar.
Quando elas se lançam na busca do amor e sucesso profissional em “quantidades iguais”, mergulham numa escolha infernal (a autora desenvolve a questão nos ensaios seguintes) que marca a desorientação contemporânea. O importante, antes de tudo, é não mentirmos sobre isso e iluminarmos a agonia da vida feminina quando submetida à “política do ódio ao macho”.
A vida amorosa nunca foi feliz. E nunca será. Mas a mentira da “emancipação feminina” é não reconhecer que ela criou novas formas de vida para a mulher em troca de novas formas de agonia.
Diz um amigo meu que, pouco a pouco, as mulheres se tornam obsoletas. Por que não haveria mais razão para investir nelas?
Conversando sobre esses medos com alunos e alunas entre 19 e 21 anos, percebi que muito da “obsolescência da mulher” é consequência de três queixas masculinas básicas: 1. Elas são carreiristas; 2. Não valorizam a maternidade; 3. Não cuidam da vida cotidiana da família. Associando-se a este “tripé”, o fato que elas começam a ganhar bem, nem um “jantar” é preciso pagar para levá-las à cama. Resultado: a facilidade no sexo de hoje é a solidão de amanhã.
Mergulhadas em suas exigências infinitas, morrem à janela, contabilizando as horas, contemplando o próprio reflexo.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

GRILOS NA CUCA

Grande Homem-Grilo

















domingo, 26 de setembro de 2010

QUERO OUVIR 3

sábado, 25 de setembro de 2010

CUIDADO COM A ESPADA DELE.

Para o diretor de 13 Assassins, jovens não conhecem história antiga do Japão



13 Assassins é uma nova versão de um longa-metragem em preto e branco dirigido por Eichi Kudo em 1963 e baseado em famosa lenda. Na trama, o cruel Naritsugu, que está acima da lei por ser irmão do Shogun, faz o que bem entende, extraindo prazer da maldade. Para impedir que ele assuma o poder, o oficial Doi chama o samurai Shinzaemon Shimada (Koji Yakusho), que reúne 11 guerreiros para matar Naritsugu, protegido por um grande grupo. Perdidos na floresta, eles acabam recrutando um 13º homem, o caçador Koyata (Yusuke Iseya).

A trama, que em princípio leva o gênero a sério e pretende ser fiel ao original, é difícil de acompanhar no início. Tudo é uma preparação para a grande e longa batalha numa pequena vila, em que os 13 assassinos do título enfrentarão 200 pessoas. Ali, Miike coloca seu talento a serviço da criação de artifícios visualmente impressionantes e – mas também humor, na forma do engraçado Koyata, que debocha dos samurais e também dos filmes do gênero. É quando o filme consegue algum fôlego.



Nos últimos anos, um seleto grupo de cineastas orientais tomou de assalto os principais festivais de cinema do mundo ao transformar a violência em estilo. Nomes como o sul-coreano Park Chan-wook ou o chinês Johnny To. Mas nenhum deles é tão radical e excessivo quanto o japonês Takashi Miike. Radical e excessivo no ritmo de produção: foram mais de 60 filmes em 20 anos de carreira (só no Festival de Veneza 2010 serão três deles: 13 Assassinos, em competição, e ainda Zebraman 2 e Zebraman, de 2004). Radical e excessivo, sobretudo, nas cenas de violência e sexo, filmadas com uma crueza raramente igualada no cinema.

No Festival de Toronto de 2001, o público recebeu sacos de vômito para a sessão de Ichi the Killer. Golpe de marketing, sim. Mas também uma questão de delicadeza com os espectadores: em uma das cenas, um assassino corta um homem ao meio verticalmente, da cabeça aos bagos; em outra, ele retalha um rosto, os pedaços voam e escorrem pela parede.



Em 2005, Miike foi convidado a participar da série Mestres do Horror, que reuniu grandes nomes do gênero, como John Carpenter, Tobe Hopper e Dario Argento, com suposta liberdade para conteúdo violento e sexual. O episódio do cineasta japonês foi o único não exibido pelo canal Showtime. “Até para mim foi difícil assistir. Definitivamente, foi o filme mais perturbador que eu vi na minha vida”, explicou Mick Garris, o criador da série.

Mas os filmes de Miike não devem ser confundidos com Jogos Mortais e congêneres. Eles têm um refinamento narrativo e estético que os distancia dos “gore movies” baseados exclusivamente na exibição de sangue & tripas – o que ajuda a explicar o interesse dos grandes festivais. A prova disso é que Miike vem obtendo sucesso também quando se arrisca em outros gêneros, como épicos marciais e até filmes infantis.



A carreira de Miike é quase um fruto do acaso. Apaixonado por motos, ele cogitou a idéia de ser piloto profissional. Decidiu cursar a escola de cinema fundada pelo mestre Shohei Imamura (A Enguia) em Yokohama, mas era um dos piores alunos. Quando uma TV local procurou assistentes de produção sem salário, eles indicaram o moleque que nunca aparecia nas aulas: Miike. Ele ficou dez anos na televisão, passou por diversas funções, tomou gosto pela coisa – e acabou se tornando assistente de direção em longas de vários cineastas, incluindo Imamura.

Seu trabalho como diretor começou em 1991 no chamado “V-Cinema”, de filmes de baixo orçamento feitos direto para DVD. Ele só iria estrear na tela grande quatro anos depois, com Shinjuku Triad Society. E a aclamação internacional chegaria ainda no final daquela década com Audition (1999), que daria início ao culto de seu nome no Ocidente. A partir daí, veio um sucesso atrás do outro, como a trilogia Dead or Alive, Visitor Q e Ichi the Killer, entre outros. Filmes que variam da mais extrema violência e perversidade sexual até a mais moralista defesa dos valores familiares e da pureza da infância. Ou seja, algo completamente nipônico.

A imprensa ocidental, sempre ávida por rótulos, rapidamente classificou Miike como “o Tarantino japonês”. Mas, dada a ascensão de Miike no cenário internacional, não é impossível que, daqui a algum tempo, os cinéfilos digam que Tarantino é “o Miike americano”.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

JUSTIÇA SOCIAL (SIC)

São Paulo à la carte
por Luis Felipe Pondé

Desconfie de quem ama a humanidade, porque normalmente ele detesta seu semelhante

VOCÊ SABE o que é a tradição política conhecida no mundo anglo-saxão como “conservative“? No Brasil é quase inexistente. Entre nós, o termo é comumente utilizado para designar (de modo retórico) “pessoas más contra a democracia”. Mentira. Conservadores são pessoas desconfiadas que não gostam de fórmulas políticas de redenção.

Por exemplo, eu desconfio de quem diz que ama a humanidade. Normalmente quem ama a humanidade detesta seu semelhante. Comumente pensa que seria melhor que seu semelhante deixasse de existir para, em seu lugar, “nascer” aquele tipo de gente que o amante da humanidade acha ideal. Prefiro pessoas que são indiferentes à humanidade, mas que pagam salários em dia.

O crítico da revolução francesa, o britânico Edmund Burke (século 18) usa esta mesma frase: “Loves mankind, hates his kindred” (“ama a humanidade, detesta seu semelhante”) para gente como Rousseau (século 18), mentor espiritual da chacina que foi a Revolução Francesa. Proponho a leitura das suas “Considerações sobre a Revolução na França”, pedra filosofal da tradição “conservative”, ao lado de “Democracia na América” de Tocqueville (século 19).

Hoje, na América Latina, a onda fascista cresce travestida de “justiça social“, e por isso sou obrigado a falar de política, caso contrário acabarei caindo na condição de “idiota” no sentido grego antigo: alguém que não participa da política e os outros participam no lugar dele. Sou pessimista com nosso futuro político imediato: a elite deste país “brinca” com o fascismo de esquerda que se delineia no horizonte. Talvez ela acabe na mesma condição da aristocracia alemã e italiana que achava que podia “brincar” com os fascistas de então, e acabou na condição de cúmplice de um massacre.

Qualquer um que conheça a tradição “conservative” sabe que ela é múltipla e heterogênea. Nasce no século 18 como uma reação à agressão da ganância jacobina. Trata-se de uma sensibilidade política de trincheira. Defende-se, entre outras coisas, da mentira que é a crença em se transformar o mundo a partir de “closet theories” (teorias de gabinete), termo de Burke. O conservador reage a essas teorias não porque seja contra diminuir o sofrimento no mundo, mas apenas porque é inteligente o bastante para perceber o estelionato político dos que se dizem amantes da humanidade. Vejamos um exemplo.

Nos últimos anos um “novo” marxismo surgiu na Europa, uma salada mista de marxismo e Lacan. Nomes como Alain Badiou e Slavoj Zizek são as estrelas dessa nova seita fundamentalista, cozida entre consultórios lacanianos e cafés parisienses. Lacan aqui deve servir pra dar um toque “chique” a uma tradição violenta e banal que matou mais gente do que o próprio Hitler: Lênin, Stálin, Mao e Pol Pot.

Nossos gurus fazem uma leitura infame de São Paulo, fundador do cristianismo, em chave fanático-religiosa, como modelo a ser seguido no combate ao humanismo relaxado da sociedade liberal pós-moderna. Para eles, Paulo seria um exemplo ideal do protorrevolucionário marxista que passou por uma “transformação interior” e descobriu a “verdade” e a levou às últimas consequências. Socorro!

Os gurus, em seus gabinetes chiques, chegam a descrever o amor como “busca da verdade”, passo necessário para uma nova “gramática do desejo”. Uma “nova política” criada por seres com “gramáticas eróticas libertárias”. Puro papo furado para crentes.

Amor não é uma experiência política, nem gramatical,mas afetiva e moral. Não quero que me ensinem a amar da forma correta. Ninguém ama corretamente nem politicamente. Amor é sempre errado. Quando a política se “finge” amorosa é para matar o homem real em nome do amor por uma ideia de homem. Pensar em se “reordenar politicamente a libido”, coisa típica dessa seita, é um delírio que autoriza a repressão do desejo concreto em nome de um desejo abstrato, este, claro, definido no gabinete chique do guru. No fundo a seita quer que os homens reais deixem de existir para dar lugar aos homens com “libido politicamente reordenada”. Quem seriam eles? Provavelmente os gurus e seus discípulos, como sempre.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

SUBLIME!!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

DIE MUSIC...





MÚSICA DAS ESTRELAS, MÚSICA DA TERRA.

Nos intervalos de banho, preparativos, beliscadas de comida, telefonemas, etc., antes que a noite se tornasse madura para procurar os amigos e o prazer, ouvi naqueles anos todo, em discos ou rádio, tudo o que Bach, Mozart e Beethoven haviam composto. Ainda não tinha descoberto, ou melhor, não me sentia particularmente atraído por Wagner, paixão futura. Debussy e Ravel eram para mim mais um instrumento do incomparável Walter Gieseking ao piano. Fiquei profundamente chocado ao saber que ele vestira a camisa da SA nazista. Certamente para agradar, por falta de caráter, e não por ideologia, pois quem tira de Debussy e Ravel aqueles sons nada tem em comum com as brutalidades dos alemães dos 1930 e 1940.
Não tenho educação formal em música. Não aprendi a ler partituras, como Bernard Shaw, a quem o crítico A. B. Walter encontrou, no Museu Britânico, estudando alternadamente O capital, de Marx, e a partitura de Tristão e Isolda? Sim, Tristão morre afogado nas pudendas de Isolda, a que não pode resistir, traindo sua família, sua honra de cavaleiro, a si próprio, enlouquecendo com um desejo que só faz crescer e cuja única saída é a morte. Isolda preside sobre o seu desfecho, ninando-o com uma canção de amor e morte (Liebestod). A que aberração burguesa, ou aristocrática, Marx atribuiria esse destino? Nem convém pensar. Há uma insolência irritante no esplendor dessa música, como na carta cheia de vanglória que Wagner enviou a Liszt quando completou a ópera (apertado por três mulheres, de que queria se esconder), mas nos rendemos, apesar de tudo.
Mas tenho, quero crer, ouvido, e um senso de estrutura musical. A arquitetura de Parsifal, de Wagner, que permanece intoxicante em sua penetração e ressonância na minha alma, ainda que os cantores entoassem o catálogo telefônico, é que me fez vez pela primeira vez a importância de Wagner. Wagner é cosa nostra, tão doido e neurótico quanto nós, ou até mais. Uma amiga minha me disse ouvindo essa música: “Essa é a felicidade que eu nunca tive”.
Música é minha única dúvida espiritual. Vem só de seres humanos o que Bach, Mozart e Wagner criaram? Ou há forças espirituais falando por meio deles? Uma pergunta de titia, me digo, sóbrio e a seco, mas quando os ouço penso em origem extra-humana, na graça que perdemos aos sermos expulsos do paraíso, ao nos alienarmos dos animais e coisas, e que cessa de nos perturbar, pois no integramos de novo durante as horas em que ouvimos a grande música. E Beethoven. Ao ouvir Das Heilige Dankesang, o quarteto de ação de graças, ao menos duvidamos, enquanto persiste a música, que nossa origem seja tão ignominiosa e nosso destino o oblívio. Não consigo ouvir o concerto de violino de Beethoven sem cantá-lo e por isso desisti de ir a salas de concertos, preferindo ouvi-lo em casa. Beethoven é nosso semelhante. Fomos feitos à sua semelhança. A era moderna começa com ele. Bach e Mozart podiam imaginar mundos de certeza que não nos são mais acessíveis. Wittgenstein sentia em Beethoven a expressão do silêncio que pregava para o que não pudesse ser provado logicamente. Mais perto do meu fim, certamente, do que do meu começo, não vejo por que não soltar minha imaginação.
Virginia Woolf dizia que a natureza humana mudou em 1912. Uma grande frase, mas que significava apenas que Virginia, menina, achava a cozinheira da família Stephen, de seu pai, uma figura majestosa e distante (senti o mesmo pela cozinheira do meu avô, quando garoto). Em 1912, Virginia, mulher feita, a cozinheira começou a dar palpites políticos. As classes baixas desemudeceram no palco da história. Quando muito, no passado, guinchavam incoerentemente e seus portadores faziam tropel. Agora, uma nova era Meineke, o historiador alemão, diz que, desde 1890, as massas (palavra cunhada por Mussolini) eram a preocupação suprema da classe dirigente, aristocrática. Pode ser, mas para nós e Virginia, de classes intermediárias, aconteceu muito mais tarde.
Ouvindo Bach e Mozart, admiro mas percebo que não é comigo. Beethoven é. Um amigo, sentado no meu agradável escritório na Rodolfo (cacófato) Dantas, falando só comigo. Senti na carne os nobres estertores de Coriolanus. Ao ouvir a sétima sinfonia, o que Einstein diz sobre a velocidade da luz me parece mais claro do que sua descrição.
Bach teve vinte filhos, o que é um absurdo (mães nordestinas, no meu tempo de garoto, tinham vinte filhos, contando que dez morressem), e Mozart era escatológico, mas acredito que caibam bem na definição de Tocqueville sobre nobreza, de que, por mais vil seu comportamento e natureza, o aristocrata não pensa baixo. Bach e Mozart também não pensam baixo. Beethoven é sublime, mas conhece o submundo das ruas. Era um republicano. Nunca perdoou Goethe por ter se ajoelhado diante da futura dauphine e rainha da França, a austríaca Maria Antonieta, quando esta chegou da sua terra, a Áustria, para ser mulher de Luís XVI. Beethoven mais ou menos aquiesceu em ensurdecer de vez, o que faz dele outro neurótico da nossa estirpe. Com mais gênio; muito, muito mais...



LEIAM CÃES...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

QUERO OUVIR 2

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

SENHOR, TENDE PIEDADE DE NÓS.

A oligarquia de esquerda
por Luis Felipe Pondé

O jargão “por uma sociedade mais justa” pode ser falado pelo pior dos canalhas

VOCÊ ACREDITA em justiça social? Tenho minhas dúvidas. Engasgou? Como pode alguém não crer em justiça social? Calma, já explico. Quem em sã consciência seria contra uma vida “menos ruim”? Não eu. Mas cuidado: o jargão “por uma sociedade mais justa” pode ser falado pelo pior dos canalhas. Assim como dizer “vou fazer mais escolas”, dizer “sou por uma sociedade mais justa” pode ser golpe.

Aliás, que invasão de privacidade é essa propaganda política gratuita na mídia, não? O desgraçado comum, indo pro trabalho no trânsito, querendo um pouco de música pra aliviar seu dia a dia, é obrigado a ouvir a palhaçada sem graça dos candidatos. Ou o blablablá compenetrado de quem se acha sério e acredita que sou obrigado a ouvi-lo.

Mas voltando à justiça social, proponho a leitura do filósofo escocês David Hume (século 18), “An Enquiry Concerning the Principles of Morals, Section III“. Cético e irônico, Hume foi um dos maiores filósofos modernos. É conhecida sua ironia para com a ideia de justiça social. Ele a comparava aos delírios dos cristãos puritanos de sua época em busca de uma vida pura. Para Hume, os defensores de um “critério racional” de justiça social eram tão fanáticos quanto os fanáticos da fé.

Sua crítica visava a possibilidade de nós termos critérios claros do que seria justo socialmente. Mas ele também duvidava de quem estabeleceria essa justiça “criteriosa” e de como se estabeleceria esse paraíso de justiça social no mundo. Se você falar em educação e saúde, é fácil, mas e quando vamos além disso no “projeto de justiça social”? Aqui é que a coisa pega.

Mas antes da pergunta “o que é justiça social?”, podemos perguntar quem seriam “os paladinos da justiça social”. Seria gente honesta? Ou aproveitadores do patrimônio dos outros e da “matéria bruta da infelicidade humana”, ansiosos por fazer seus próprios patrimônios à custa do roubo do fruto do trabalho alheio “em nome da justiça social”? Humm…

A semelhança dos hipócritas da fé que falavam em nome da justiça divina para roubar sua alma, esses hipócritas falariam em nome da justiça social para roubar você. Ambas abstratas e inefáveis, por isso mesmo excelentes ferramentas para aproveitadores e mentirosos, as justiças divina e social seriam armas poderosas de retórica autoritária e mau-caráter.

Suspeito de que se Hume vivesse hoje entre nós, faria críticas semelhantes à oligarquia de esquerda que se apoderou da máquina do governo brasileiro manipulando uma linguagem de “justiça social”: controle da mídia, das escolas, dos direitos autorais, das opiniões, da distribuição de vagas nas universidades, tudo em nome da “justiça social”. Ataca-se assim, o coração da vida inteligente: o pensamento e suas formas materiais de produção e distribuição.

A tendência autoritária da política nacional espanta as almas menos cegas ou menos hipócritas. A oligarquia de esquerda associa as práticas das velhas oligarquias ao maior estelionato da história política moderna: a ideia de fazer justiça social a custa do trabalho (econômico e intelectual) alheio.

Outro filósofo britânico, Locke (século 17), chamava a atenção para o fato de que sem propriedade privada não haveria qualquer liberdade possível no mundo porque liberdade, quando arrancada de sua raiz concreta, a propriedade privada (isto é, o fruto do seu esforço pessoal e livre e que ninguém pode tomar), seria irreal.

Instalando-se num ambiente antes ocupado pela oligarquia nordestina, brutal e coronelista, e sua aliada, a chique oligarquia industrial paulista, os “paladinos da justiça social” se apoderam dos mecanismos de controle da sociedade e passam a produzir sucessores e sucessoras tirando-os da cartola, fazendo uso da mais abusiva retórica e máquina de propaganda.

Engana-se quem acha que propriedade privada seja apenas “sua casa”. Não, a primeira propriedade privada que existe é invisível: sua alma, seu espírito, suas ideias. É sobre elas que a oligarquia de esquerda avança a passos largos. Em nome da “justiça social” ela silenciará todos.

(Artigo publicado na Folha de São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010)

domingo, 12 de setembro de 2010

AMO TUDO ISSO.



Domingo tenebroso

Os domingos são tenebrosos
As minhas horas sem sono
Queridas as inúmeras sombras
Com as quais convivo
Pequenas flores brancas
Não te acordarão
Não onde o coche negro
Da dor te levou
Os anjos não pensam
Em te devolver jamais
Será que eles ficariam zangados
Se eu me juntasse a ti?

Domingo tenebroso

Tenebrosos são os Domingos
Passados nas sombras
O meu coração e eu
Decidimos acabar com tudo
Daqui a pouco haverão flores
E orações que dizem saber
Mas não os deixem chorar
Deixem saber o quão feliz estou por partir
A morte não é um sonho
Pois na morte eu te acaricio
Com o último suspiro da minha alma
Eu te abençoarei

Domingo Tenebroso

Sonhando
Eu estava apenas sonhando
Acordo e encontro-te a dormir
No fundo do meu coração
Meu querido, eu espero
Que o meu sonho nunca te persiga
O meu coração me diz
O quanto eu te quero
Domingo Tenebroso
Domingo Tenebroso
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sábado, 11 de setembro de 2010

QUERO OUVIR 1

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

NHÔ NHÔ FARIA 80 ANOS.





MEU SIMPLES OBRIGADO !!! (SIC)



Temos que ler enquanto é tempo.

O AFETO QUE SE ENCERRA – MEMÓRIAS – PAULO FRANCIS

“A INOCÊNCIA É UMA FORMA DE INSANIDADE”
(Graham Greene, O Americano Tranquilo)

NASCIMENTO EM 2 TAKES

“Paulo Francis nasceu em 1951. Mexeu de leve nas cargas e castigos de Franz Paulo Trannin Heilborn, eu, antes que Paschoal Carlos Magno me batizasse ‘Paulo Francis’, nome típico de ‘bailarino’ de teatro-revista (Glória May e Paulo Francis em Catuca o balaio da nega, de Stanislaw Ponte Preta...)”.

“Nasci em 2 de setembro de 1930, na rua São Clemente, Botafogo, Rio, perto da antiga embaixada americana(...), numa casa de vila, em ambiente de classe média. É o que dizem e o tabelião confirma. O leitor tem aí a pista chave da minha personalidade. Tolero (de uns tempos pra cá...), de cara alegre, os tolos, como recomenda o apóstolo Paulo. Tolero às vezes. Paulo também... Mas leio e ouço as coisas sempre em dúvida do que não posso provar. Essa desconfiança, a essa altura, me parece incorrigível. Infelizmente? Me salvou de boas e me priva do abandono emocional, que é uma das alegrias da vida, me informam, enquanto dura. O fato é que nos (raros) paroxismos uma voz me avisa: ‘Bicho, esse negócio não é comigo’, Não se iludam, pela aparente e ocasional fúria de meus escritos. Escrevo frio como um pepino. Prefiro assim, ou já me habituei?
Sei apenas que nasci, presumo que pelos processos convencionais, não existindo na ocasião o bebê de proveta ou os Garotos do Brasil. E fui, jovem, a cara do meu avô alemão, Paul Heilborn, na mesma idade, o que exclui, provavelmente, a hipótese de adoção. Dando crédito à versão oficial, não é verdade que ao me baterem na bunda eu dissesse ‘Cogito ergo sum’, ou, segundo o vulgo, ‘Um Black Label nas pedras’. Se me manifestei, à parte o que Shakespeare chamava sentimentalmente ‘the most piteous sound’, o som mais digno de pena, o nhenhém do desgraçado do bebê, teria sido na linha de ‘Por que não me consultaram se eu queria vir pressa joça?’ A última frase de As Memórias Póstumas de Brás Cubas é minha opinião da paternidade”.

SOBRE A MÍSTICA DO TEATRO

“Estreamos e já contei que minha voz ganhou corpo e se quebraram grilhões de timidez. Certo ou errado nos papéis, há poucas sensações tão intensas quanto aparecer num palco em face de centenas de pessoas. É uma grande suruba emocional.
Começa naquele momento em que o contra-regra (que conduz os atores ao palco, zela por cenário e efeito cênicos) nos leva às coxias, à lateral da cena, ou fundo, onde entraremos, e esperamos ali segundos. O corpo literalmente ferve de excitação intoxicante. Pomos o pé no palco e sentimos, sem ver, os olhos e os sentimentos da multidão. Cada gesto ou palavra nossa se misturam quimicamente a essa atenção. Aprendemos a manipulá-la e é delicioso sentir o poder que exercemos (ainda que nos estejam amaldiçoando em silêncio, na platéia). Cinema e TV, remotos e mecanizados, não comunicam esses prazeres, porque o ator representa para diretores e técnicos. E a continuidade do espetáculo teatral significa uma forma de vida alternativa, de que, ao contrário da nossa vida, temos absoluto controle. Quem experimentou essas sensações compreende com maior facilidade e tolerância os sacrifícios e o ego gigante das estrelas, assim como os excessos a que às vezes se entregam fora de cena, porque tudo parece tão menor e tedioso depois daquelas horas em que nos tornamos o centro do ‘mundo’, e, curiosamente, na pele de outra pessoa, sem carregarmos os ônus inevitáveis da nossa existência real.”

O NASCIMENTO DO POLEMISTA

“Tudo mudou quase sem eu perceber, quase acidentalmente. Dois dos meus melhores amigos, na ocasião, Francisco Pereira da Silva, um dramaturgo de talento, estilista completo, que não encontrou a companhia séria que lhe permitisse desenvolver a inspiração literária a nível equivalente de execução dramática, e João Augusto, aspirante como eu a diretor, eram críticos de teatro, do Diário Carioca e Tribuna da Imprensa, respectivamente.
Uma noite na Gôndola, em Copacabana, ponto do pessoal de teatro do Rio, vi-os cumprimentando Ziembinski, Walmor Chagas e o resto do talentoso elenco que havia estreado em Volpone, a adaptação de Stefan Zweig da peça de Bem Jonson, no TBC. Talentoso o elenco, o espetáculo tinha sido lamentável. Perguntei-lhes, a sós, se estavam me gozando. Não, responderam, concordavam comigo, mas de que adiantava baixar o malho na melhor companhia do país? Não mudaria nada a auto-suficiência do TBC (de uma arrogância que ‘nada deixava a desejar’, comparada à minha, cujo cabedal se limitava às aventuras já descritas e à direção de uma peça infantil para orfanatos que, de tão ruim, cortei metade e reescrevi o resto, não conquistando a amizade do autor, e espetáculo que, à parte as crianças órfãs, ninguém vira). Se criticassem a sério fariam apenas inimigos pessoais.
Me queimei. Nada de pessoal contra Chico ou João, nenhum dos dois carreirista ou oportunista. O que disseram ontem, hoje e amanhã é constante do nosso subdesenvolvimento, em que aqueles acima disso, como Chico e João, preferem evitar o dragão, porque, morto, renasce na próxima esquina, sem do em última análise, filho de forças contra as quais pouco temos a contrapor. Abram qualquer publicação. Há os intocáveis, os rejeitados e os vetados. Mudam caras e nomes. O dragão se permite alguns passos de valsa, no mesmo lugar... Sugere movimentos aos menos observadores.
E a vocação deles não era crítica. Nem a minha. Juro. Resumo da ópera: discutimos à madrugada e fizemos um pacto. Se eu conseguisse um lugar na imprensa e começasse a testar a política de dizer o que pensava, eles me acompanhariam. Paulo Francis polemista nasceu desse incidente, uma discussão entre amigos, em botequim de quinta categoria em Copacabana.”

A ARQUITETURA DA RECONSTRUÇÃO

“Nada houve de espontâneo no que escrevi no Diário Carioca. Foi um ‘trabalho do negativo’ cuidadosamente planejado. Primeiro, iniciei uma campanha de desmoralização sistemática da Velha Guarda, o que incluía empresas, atores e críticos, a meu ver, coniventes. Depois enfatizei a importância dos textos. Às vezes, antes de criticar espetáculos, consumia colunas (e dias) discutindo a dramaturgia. Terceiro, promovi os novos, autores, diretores e atores brasileiros que me pareciam a chance de sairmos do retrógrado e criar algo novo e expressivo da nossa cultura. Não ataquei os estrangeiros, de Celii a Ziembinski, os quais me pareciam contribuir à reforma e, à parte isso, nunca fui chauvinista. Combati apenas as pretensões excessivas do Teatro Brasileiro de Comédia, excessivas em relação a resultados, e o chauvinismo estrangeiro do empresário, Franco Zampari.
Tudo deu certo, na mediada (limitada) que um crítico influi. E ao assumir simultaneamente a crítica de Última Hora dispus de duas tribunas diárias, um duplo e incessante martelo. Em pouco tempo, os ‘velhos’ estavam em retirada, o que incluía autores do tipo Pongetti e Guilherme Figueiredo, de que nunca mais se ouviu falar desde então. Citei acima a geração de autores brasileiros que apareceu e que, hoje, é aceita ao mesmo nível de qualquer dramaturgo estrangeiro. Não falo de qualidade, o que não é possível impor, se tem ou não. O empresário da época, porém, concluía, a priori, que tudo escrito originalmente em português não prestava, ‘não atraía público’, a desculpa esfarrapada que ofereciam. Isso mudou.
Tão importante, a nova crítica abriu caminho para uma geração de diretores, Flávio Rangel, Antunes Filho, Boal, etc. Os atores, afinal. Sempre tinham sido brasileiros, na maioria esmagadora. O diretor brasileiro é que podia ‘nacionalizar’ o teatro, ou seja, retirá-lo da tutela estrangeira exclusiva. Apesar disso, um dos maiores sucessos da época foi do brasileiro Jorge Andrade, em São Paulo, com A Moratória, dirigida pelo italiano Gianni Ratto. Isso não me preocupava, repito minha completa rejeição do chauvinismo (e Ratto, como Ziembinski, não considerava o Brasil uma escala antes do retorno à Europa. Estudaram o país, se assimilaram).
Me acusavam de ‘brutal’, ou na palavra mais precisa de Paulo Autran, ‘ferino’. É verdade, mas não se catuca o balaio da nega com afagos. O negócio é demolir. Ninguém, talvez, me acredite, mas insisto em que (à parte uma exceção lamentável) nada havia de pessoal na minha blitzkrieg. Usei, sem dúvida, um tom único de violência na crítica às artes daquele tempo. Mas isso se devia não apenas à certeza de que eu estava certo, certeza determinante, como a questões de família e formação. Os Heilborn diziam um na cara do outro o que pensavam. Não fomos chegados às mumunhas e eufemismos brasileiros, ao que, em jornalismo, chamo a escola do ‘por outro lado’. Somos mão única, únicas em verdade, não temendo colisões. Jesuítas consideravam ilusões uma forma de corrupção da alma (consideravam corrupção qualquer atitude fora da ‘linha justa’ que propunham...). Na turma de Fernando, ou entre os amigos de Marcello e meus no circuito da Zona Sul, inexistiam candidatos ao Itamarati (exceto na cabeça de Adolpho). E, finalmente, decisivo, eu freqüentava intelectuais marxistas. Estes, desde os tempos de Lênin, se caracterizam por uma rudeza que parece espantosa aos não-iniciados. Basta ler as atas do Partido da URSS, antes que Stálin começasse a falsificá-las em decisões unânimes, redigidas em burocratês. O marxista que não dissesse precisamente o que pensava não seria levado a sério. Lênin, o suposto ditador, várias vezes tentou pedir demissão, tal a fúria com que os colegas o atacaram em debates difíceis, em momentos de crime. Paulo Francis se condicionou assim.”