quarta-feira, 27 de outubro de 2010

NO FUTURE.

Aos malditos filhos da noite, que se perderam pelo caminho...
Estava no 1º ano da metô quando li este livro. Era um mundo novo que se mostrava.
Sentado na mureta, quase sempre com "Cristina", procurava respostas nas perguntas que não sabia.





“...e é assim como sonho ter sido um desses escravos vindo de um país improvável, triste e bárbaro, para arrastar na agonia de Roma uma vaga desolação, embelezada com sofismas gregos. Nos olhos vacantes dos bustos, nos ídolos diminuídos por superstições claudicantes, teria encontrado o olvido de meus ancestrais, de meus jugos e de minhas recriminações. Unindo-me à melancolia dos antigos símbolos, teria me liberado; teria compartilhado a dignidade dos deuses abandonados, defendendo-os contra as cruzes insidiosas, contra a invasão dos criados e dos mártires, e minhas noites teriam buscado repouso na demência desenfreada do Césares. Expert em desenganos, crivando com todas as fechas de uma sabedoria dissoluta os fervores novos, junto às cortesãs, nos lupanares céticos ou nos circos de crueldades faustosas, teria carregado meus raciocínios de vício e sangue para dilatar a lógica a dimensões com as quais jamais sonhou , as dimensões dos mundos que morrem.”

E. M. CIORAN, Précis de Décomposition, Paris, 1949.


UM

Call me... Light. Light Alloy. Liga leve luz à lua atlântica. No espaço. Dez mil metros acima do Homem e do Tempo... Also sprach Fritz Nietz. Gregos ou troianos, nós? Amerika moicanos? No, People Express. Classe econômica. Ônibus transoceânico. Eppur si muove. Pass a aeromoça com carrinho. Canto de Circe: “Cash or Credit Card?” Cartão. Todo mundo tem cartão. O vendedor da Microsoft Co., from Silicon Valley, Cal-fornia, a meu lado, apertado, tem uma carreira de cartões. Por que viaja People? Embolsa extra da expense account... Criptofiancée overseas... Qual é o seu cartão? Qual a cor de sua sedução? 7 na caçapa, em qualquer mercado. Vou na um, bola da vez. Pago cash. Bucks. Fric. Valuta. Mercadoria em desuso. Alta para o sensualismo digital. Ok, Keynes. I got my key to the highway. Saco o word processor. Enter. Information p-leeese. Light para Controle, check. Light para controle, stand by p-leeese. Microsoft olha de esguelha. Meu wop é velho. Cristal líquido de segunda. Sei. Serve. Microsoft já vai querer me empurrar um Microsoft. Não, não sou um especialista. Só jornalista. “Terrorista?” Não, esse foi franco-phone, na douane de... Marseille? “Non, monsieur, tráfico só de informações.”
Microsoft tem um pocket computer, claro. Tem também Gucci, Armani, Davidoff, Wayfarer, Zippo, you name it, he’s got it. Microsoft é um símbolo. Um designer dream. E a cor... Vive em Cal-fornia, mas o tom da tan é... Barbados Light? Essa mesma – uma entre várias selecionáveis no seu tanning saloon em Silicon Valley. Sol de verdade, Microsoft só suporta digital.
Light. Identikit lateral. Estranham. “Nome?” “Light”. “Como? Ah, luz....” Nem sempre faço luz. Visto preto. Dito basic black. Controle ótico-categórico. Ingleses qualificam de gótico. Shelley era gótico e usava branco. Legislador desconhecido da humanidade...
Perfeito observatório. No meio. No ar. O fim da dialética, et pour cause... Especialmente agora, quando só resta a linha de sombra, a abóbada azul-cobalto fechando no preto 22, quebrando a mesa. Viajou mal, esse Beaujoulais. Também, na People... Não vou conseguir escrever uma mera matéria sobre material girls e designer boys – é isso, a pauta do dia? É muita zeitgeist para este pobre wop. Microsoft lê a “Byte” e de vez em quando faz contas no seu micro-PC. Tento ler a “face”. Scilly está na capa. Ela conseguiu. Quem não? Social climbing, hoje, não é mais arte: é cartoon.
Mas o point, como reza o Hardcore Skateboarding Way of Life, é aqui. Aqui, no pipeline do éter, estão os cut-backs mais radicais do planeta. O clash das civilizações. O destino da metafísica. A impossibilidade de ser Outro. A solução para o problema palestino. Aqui tudo está claro. Mesmo inserido no contexto formal da classe econômica da People Express. Acima, nem o mínimo ninho de nuvens – além, claro, do ocasional satélite militar. Abaixo, o Atlântico. À direita, para trás, London town – os últimos dias do pós-império, os supermercados saqueados de Liverpool e a City emprestando dinheiro para o mundo, a cerimônia druida em Stonehenge e o último remix da Fon em Sheffield – “Do the Stone”, com King Arthur and the knights of the Round Disk... Dung durum dururururum... tchah tchah! Huh! “Speak about destruct... tchan!...” Foi a mixagem, com equalizador, booster, dolby, zombie 3D e o que mais no walkman, tjaaaaM!... dum TCHAH dum dum TCHAH dum TCHAH dum dum TCHAH... tjaaaaM. Só o silvo lascivo entre o éter e esta águia caída de metal de segunda. À esquerda, Nova York, Babylon, a torre de Babel ainda que não sua biblioteca (a Marciana, em Veneza, claro, dá-se ao luxo de possuir os manuscritos A e B da “Ilíada”...). Mais para a esquerda, Cal-fornia, la folie multiforme – vista de cima, um interminável circuito integrado. E além do muro do Pacífico, no fim da esquerda, ele, em alta definição, HDTV, como explica o técnico sorrimolente quando se visita a NHK, em Tóquio: Nippon. Hai! Well con 2 ze futur. E a China trans-Mao-Express? E as 120 discotecas de Cantão? E o strip-tease das damas de Shanghai? E as mil e uma noites das mil e uma etnias desestalinizadas por Gorbie? Esplêndido, mas são apenas caminho para o futuro. Chegar em Nippon em estilo é via Sibéria – horas e horas de Ilushyn sobrevoando o nada mineral...
A História: uma peregrinaçãozinha pelo globo, sentido anti-horário. “Saída... pela esquerda!” Um verdadeiro Toynbee, o leão da montanha... China, the secret nights of Arábia, pirâmides. Ágora, Acrópole e bacanais olímpicos, ascensão e queda do Império Romano (todo político deveria ter um “Decline and Fall”, de Gibbon, no bolso, tem em pocket, pesa tanto quanto o micro de Microsoft; facilmente armazenável em floppy disk), celtas, druidas, renascimento fiorentino, Espanha e Holanda, libertária libertinagem do século 18 francês – interrompida pelo anticharme do efeito guilhotina –, Romantismo alemão, vanguardas do início do novecento, Paris, Berlim, London, Nu Yoik, Cal e... Nippon!
História se aprende a jato. Em Oxford e no MIT estão ao corrente. Em Paris não. “Hoje tem exame de Aeroflot.” “Ah, pois eu tenho um PHD em Gulf Air.” “Dificílimo aquele curso de Interflug.” A People é pré-primário. Rodeio básico. Sonho de marketing. Tão bom que quase deu falência. A êmula de Emanuelle nº 1 duas fileiras à frente, jarretelles à mostra, não sabe e nem quer saber. Navalha na carne... Será o filme? “Mad Max 5”: Eros nos braços de Morfeu. Será o Beaujoulais via Camorra napolitana? As fotos de... “Swimwear Illustrated” – as modelos mais sensuais fotografadas nas praias mais tórridas do globo? Não é má, a fogosa Jarretelles... Bar-woman de uma joint em New Jersey... Volta da inscrição européia. O cursor de wop está lá, dormindo deu sonho de cristal líquido. Matéria para “Viva Moda”. De onde vêm os designer boys e as material girls. Genealogia da moral. O laser digital com TV e 15% de taxas incluso no pulso de Microsoft faz peep-peep. O Povo Expresso dorme. Dramas em todo o planeta – o realinhamento Arafat-Abu Nidal-Kadafi, a glasnost de Gorbie, a quebra iminente do Sistema Financeiro Internacional, Irã e Iraque vendo quem tira primeiro a água do outro e acaba a guerra, que guerra?, motins black nos EUA, a milésima cúpula redutória de armas estratégicas em Genebra, a venda iminente do Brasil aos japoneses – alugado –, e wop tem que vomitar uma matéria para “Viva Moda”. “Notre tête est ronde pour permettre à la pensée de changer de direction.” Francis Picabia, surrealista alguma vez, gênio. Vamos tentar uma linha editorial:
“Sob a vertigem de embaraçantes questões universais, permanece mais importante, antes de tudo, o simples e o urgente. Ou seja: nossas mil e uma escolhas cotidianas. Nossas casas e mesas, roupas e hobbies, viagens e saídas noturnas, músicas e imagens, livros e filmes, contam melhor a história que vivemos do que cem conferências eruditas sobre política internacional”.
Péssimo. Sem tesão. Apaga tudo. Pic pic pic... De volta ao sonho do cristal líquido. Fitzgerald e Flaubert não tinham wop. Tinham que rabiscar com a ponta da pena. Mas também não precisavam escrever para “Viva Moda” por um punhado de dólares. O efeito spaghetti-western-writing... Não, era pior. Cioran, romeno, filósofo e sempre (negrito) gênio, matou: ao ler Fitzgerald e Dostoievski, sentimos o drama dos dramas, na ficção ou na correspondência: a ausência de cash, fric, moneta, valuta. Escrever! A sedução de um ópio anacrônico... Microsoft está em satori. Deve sonhar com pixels ao som de Kraftwerk. Um homem absolutamente moderno. He’s got what it takes. The color fo money. Ssshaaaft!
continua...

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