terça-feira, 5 de julho de 2011

"ARTE" NA RUA # 55

Ratos espaciais... Ratoeiras locais...
Passando a bola pra frente.



MUKEKA DI RATO
Por Márcio Sno

Era comecinho da década de 90. Assim como as milhares de bandas hardcore um grupo de garotos da desconhecida Vila Velha também espalhava o seu terror por meio de uma demo-tape. E o que esperar de uma banda chamada Mukeka di Rato? A princípio, apenas uma fase de adolescente que tem o desejo de colocar sua fúria em poucos acordes, com canções com poucos segundos e um visual tosco. Poderia ter acabado em menos de um ano. Já dura 16. E nesse meio-tempo já lançaram vários discos, participaram de diversas coletâneas, produziram milhares de modelos de camisetas, tocaram no Brasil todo e ainda fizeram uma tour pelo Japão. O que explica todo esse currículo?

Esse tipo de pergunta pode soar meio arrogante e descrente do potencial de “mais uma banda de rock revoltado”, mas tudo isso explica o diferencial que o MDR tem das demais bandas do gênero e justificao fato de arrastarem multidões para os seus shows.
Eles acabam de lançar mais um disco, Atletas de Fristo, que marca a volta da banda às raízes e aborda um tema muito presente em nossa dura realidade: o crack. Os meninos estão mais velhos, mas ainda cheios de energia, mesmo com as barrigas salientes e alguns fios de cabelos brancos.

Depois de quase 15 anos, voltei a entrevistar o baixista Mozine que, além de tocar em três bandas, ainda tornou-se escritor, ator, empresário e até personalidade capixaba. Vai pensando que a desgraça é pouca...



A sonoridade do Atletas de Fristo está bem próxima à do primeiro disco. Vocês fizeram que nem o Metallica com o Death Magnetic, ou seja, “vou ali ficar rico e já volto”?
Fui ali ficar rico, o problema é que não voltamos ainda!

O que levou o Mukeka di Rato abordar o assunto drogas nesse disco?
Dentro de todos os temas que o Mukeka aborda em suas músicas, drogas sempre estiveram presentes, talvez a abordagem que tenha mudado apenas. O disco acabou fluindo pra esse lado, não tem uma explicação lógica, ninguém teve problemas com crack e o tema também não surgiu de um brainstorm do tipo “vamos achar um tema pro disco”. Simplesmente apareceu.

Num cenário em que é mais fácil achar bandas que fazem apologia às drogas, como é para vocês nadarem contra a corrente?
Na verdade sempre fomos muito subjetivos em tudo que falamos, e você não vai encontrar em nenhuma das letras “não use crack”, apesar das mensagens serem claramente contra o uso. Na verdade, o disco não é sobre drogas, é sobre o crack.

Vocês seguem uma vida não muito saudável e constantemente são flagrados comendo bacon assado e bebendo substâncias destiladas. Como é fazer um disco falando de drogas nesse contexto? É o tal do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço?Bacon é vida. Crack é morte. Na verdade nunca pedimos pra ninguém fazer nada em nenhum dos nossos discos, se eu tivesse esse poder, eu faria uma letra “deposite 22 reis na minha conta agora”, mas ainda não temos essa força. O disco é claro, é a nossa visão sobre o que estamos vendo acontecer em nosso bairro, cidade, vizinhos, amigos, que estão envolvidos com crack. É muita burrice querer equiparar todas as outras substâncias que são ilícitas ou não, mas que são consideradas como drogas com o crack.



Qual a posição de vocês a respeito da discriminalização das drogas?
A banda não tem uma posição sobre isso, e eu também não. Poderia ser mega liberal aqui, doidão, “sim, tem que liberar”. Mas acho que tem tanta coisa mais importante pra ser vista, então quer usar droga, use escondido, essa luta pra liberação de drogas não é minha.

Na canção “Festa Jovem” vocês descrevem um grupo de jovens, no mínimo, “débeis mentais”. Onde estão e o que andam fazendo os jovens que fazem a diferença?
Fazendo alguma coisa que não é escutando as bandas que descrevemos em “Festa Jovem”.

Em “Face Oculta do Inimigo” vocês apontam que não se pode confiar em qualquer um. Em quem podemos confiar?
Em ninguém.

Assim como nos outros álbuns, o MDR mescla canções com mensagens diretas e outras um tanto complexas, cheias de metáforas. Como é caminhar entre esses dois extremos?
As formas de composição dentro da banda são bem livres, tudo é bem aceito. É possível eu tocar uma música da qual eu nem concorde planamente com o que esta escrito, mas toco sem problemas porque foi escrita por outro cara da banda que pensa daquele jeito. Às vezes uma música que parece simples e boba é muito mais sincera e legal que outra que parece lindamente escrita cheia de metáforas.



O crack foi uma praga que quase acabou com o Ratos de Porão, como vimos no documentário Guidable. Ele já chegou a ameaçar o Mukeka di Rato?
Apesar de a gente ter aí um disco, que pode ser até assim rótulo “eles estão falando mal de drogas” nunca fomos uma banda de evangélicos. Muito pelo contrário. Somos cachaceiros e arruaceiros, mas o crack nunca foi uma ameaça ao Mukeka di Rato.

O primeiro disco da banda é Pasqualin na Terra do Xupa-Cabr”, porém a faixa-título só saiu no disco Gaiola e a música com esse nome só saiu agora no Atletas de Fristo. Isso tem a ver com algo na linha de numerologia, marketing de vendas ou é falta de organização mesmo?
Na verdade criamos o nome do disco Pasqualin devido à capa que tínhamos, mas não necessariamente cremos que o nome do disco tenha que ser uma música, não vi escrito isso em nenhuma cartilha ainda. Mas a música pintou depois por ser um nome que a gente achava muito foda. O mesmo foi com o “Gaiola”, que era apenas o nome do disco e um poema, pois a gente também achou que teria liberdade de escrever um poema na capa dum disco sem que ele fosse música. Agora resolvemos fazer a música nesse disco, simplesmente porque eu quis.

Desde o início, lá com a demo-tape Sobrevivência, o som de vocês é curto, grosso e direto. Ser tosco foi uma opção ou consequência?
Acho que ambos. A gente gostava de coisas como NOFX, que tem fases horrivelmente toscas e também de bandas de hardcore europeu e do punk nacional, além de tocar mau, até hoje. Aí ficou tosco. Depois de algum tempo, conhecemos outras bandas que tinha o tosco como estética ou algo assim, exemplo o FYP, DFL, dentre várias outras, mas a coisa já existia antes da gente conhecer essas bandas. A verdade toda nem foi a gente que começou a chamar a gente de tosco, foram as outras pessoas.

Durante um período o Sandro ficou fora do MDR. Como foi o processo de desligamento de reenquadramento dele na banda?
O processo de desligamento foi bruto, do nada. Foi um choque, mas era uma relação que já vinha se deteriorando por diversos motivos pessoais e outros nem tão pessoais, eram novos projetos de vida do cara que não haveria como conseguir tocando numa banda de hardcore. A mesma coisa aconteceu com o Bebê [antes de assumir os vocais da banda, ele era roadie do MDR], porém foi um desgaste horrível pra gente. O Sandro pediu pra sair, já o Bebê nós três o tiramos da banda. A banda continuaria sem ele, com outro vocalista, porém nessa mesma época o Sandro tinha se reaproximado da gente, inclusive gravando e escrevendo letras pro Merda [outra banda de Mozine e Paulista, guitarrista do MDR] no disco “Eu tenho pena dos insetos que me picam”, que eu considero como o verdadeiro primeiro passo da volta dele a banda. A partir daí ele foi convidado e acabou rolando tudo isso aí de volta.

O MDR teve uma passagem relâmpago pela Deck Disc. Quais os prós e contras de estar em um selo grande?
Os contras talvez sejam o preço do CD Carne, que é um pouco mais caro que os outros discos do Mukeka, e uma dificuldade maior em achar o disco, fora isso não vejo muitos pontos negativos. Ainda temos contrato assinado com a Deck e a qualquer motivo poderemos lançar com eles um CD, um LP ou algo assim. Da mesma forma que em pleno contrato com a Deck, fui liberado pra lançar o CD “Vila Velha 95-96”, com nossas demo tapes. Sempre tivemos uma postura independente dentro da Deck Disc, sempre continuamos sendo o Mukeka di Rato, eu gosto muito do “Carne”, das músicas, das letras e da produção do Rafael [Ramos], acho que aprendemos muito, foi legal gravar esse disco no Rio de Janeiro com ele, ver como funcionava algumas coisas lá na gravadora grande, ter alguns clips um pouco mais bem feitos etc.



Mesmo com a notoriedade do MDR, os membros da banda têm outros trabalhos, ditos “normais”. Quando é que vão viver só de música?
Nunca, já desistimos disso há muitíssimo tempo, ou se bobear nunca nem tivemos essa ideia de verdade e talvez por estarmos todos com suas vidas bem encaminhadas, pode-se dizer que quando nos predestinamos a ir tocar numa cidade ou num show, por mais que tenha cachê e uma série de exigências envolvidas, estamos indo por prazer.

Mozine, além do MDR, você toca no Merda e nOs Pedrero. Por que não fazer algo comercial para sustentar as demais bandas e deixar de ficar apenas pagando o pato?
Eu também tenho outros trabalhos, dos quais eu não divulgo, mas faço produções, assessoria fonográfica pra outros artistas que não hardcore, e tenho o selo. Sou feliz demais com minhas bandas, mas muito feliz mesmo e o dia que eu for tocar algo comercial vai ser por prazer. Sei lá, vai que dá uma doidera em mim e eu faço uma banda igual Jota Quest. Por enquanto não e acho que as bandas tão ficando cada dia mais pesadas e toscas, bem feito.

Com as suas bandas você viajou o Brasil inteiro e tocaram em diversos países. Já conseguem se considerar rockstars? Suas famílias já os vêem com bons olhos?
Nossas famílias sempre nos viram com bons olhos porque somos ótimas pessoas, educadas e trabalhadoras. Eu me considero um Pobre Star.

Mesmo com a devastação causada pelos MP3s, você ainda lança discos e tudo mais. Como essa crise fonográfica chegou em seu selo e quais as estratégias que utiliza para mantê-lo vivo? Inclusive antes de sair a versão física do “Atletas de Fristo” você liberou para baixar no Trama Virtual. Não seria contraditória essa atitude, financeiramente falando?
No caso da Trama, não. Eu optei por tentar fazer as pessoas baixarem o disco num meio que vai pagar pelos downloads e não cobrar nada do público. Já deve ter no mínimo 10 blogs com os discos pra download de forma ilegal, o que posso fazer? Nada, é assim agora e sempre será. O disco vai comprar quem gosta da banda, não dá pra ficar rico vendendo CD, se vender uma prensagem já esta bom. Acho que a venda de merch casada com a venda de discos é uma das soluções. Fazer CDs em parcerias com outras gravadoras também ajuda, pois você divide os custos, fica com estoques baixos. Existem várias pequenas soluções, e a grande questão é saber que nunca mais vai ser igual nos anos 90 quando vendia 5 mil discos, agora vai vender menos, apesar de saber que mais pessoas vão ouvir.

Você é apaixonado por aquele tipo de canção que vulgarmente se convencionou a chamar de brega. Fale de sua relação com esse tipo de som e de que forma ele influencia em seu trabalho como músico.
Quando eu era criança, eu via os discos do Sex Pistols, os caras todos rasgados, falando contra a rainha e achava aquilo o máximo, real. Depois você descobre que é mentira, mas não precisa parar de gostar, porque a música é boa, e por mais que seja tudo uma grande mentira, fez parte da história da música, mudou pessoas, inclusive eu quando era criança. Então depois fui buscando outros artistas que eu achava sincero, mais reais. Aí fui descobrindo uns caras do brega, que moram na beira de valão, são pobres, e saem pra tocar aí no underground, além deu gostar também da música, da sonoridade.



Além das bandas, você também navega no audiovisual, literatura, fez bicos como ator (como na TVQuase) e ainda é empresário. Fale um pouco dessa sua multifacetagem...
Bicho, os caras vão me chamando pra fazer as coisas e eu vou fazendo, é tudo muito doido, livre, solto, nada nunca é planejado, do tipo “nossa, vou se ator agora!”, credo, nunca fui isso, só fiz uns vídeos porque os caras me chamaram. As ferramentas são muito fáceis de usar hoje em dia, instragram, todo mundo usa, posta fotos lindas, ou seja, todo mundo é fotógrafo agora? Não sei. Ou seja, eu não sou nada, só uso as intefaces que estão disponíveis. Eu não sou escritor, porque não me considero isso apenas por ter escrito um livro. É como se eu pegasse uma história e falasse, bom, não tenho como contar isso num CD, o quê que eu faço? Poderia ter sido um blog, uma rádio novela, uma fita gravado eu falando etc.

Recentemente você foi um dos indicados a personalidade capixaba. Como acabou essa história e o qual foi a justificava para você ser um dos indicados?
Rapaz, já me indicaram aí umas dez vezes, esse caras são doidos! Eu nem sei como acabou isso, já recebi uma homenagem dum festival, recebi uma homenagem até da Câmara de políticos aqui, eu uso isso quando preciso usar, mas tô nem aí pra essas paradas, não.

Muito se tem falado no esperado documentário sobre a tour do MDR no Japão. Por que tanto tempo para produzir esse doc e qual é a previsão de lançamento?
Tá agarrado, mas tá começando a querer sair. Falta muito pouco pra gente realmente finalizar, incluir legendas, e é certo que sai esse ano ainda.

Há uma ameaça de lançamento do Pasqualin em LP. Como está, quem vai lançar e quando será isso?
Queria lançar esse ano também mas começo a duvidar que poderei cumprir esse prazo. A ideia é lançar tudo do Mukeka e das outras bandas em vinil mas isso vai demorar muito, velho...

No release de Carne, Ricardo Tibiu disse que a banda se juntou para destruir o mundo. Qual o balanço desses 16 anos de destruição?
Destruímos nosso fígado.

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