domingo, 10 de julho de 2011

"ARTE" NA RUA # 60

Senta que lá vem história...



Quando esse livro me achou na biblioteca, peguei na hora.
Lembrei do meu avô. Grande vô João.
Quantas vezes lemos juntos, no terraço de sua casa, as tirinhas do Diário.
Na verdade, as historinhas eram do Horácio. Mas valeu.
Sua bênção Vôzão.



Várias perguntas para o grande Maurício de Souza.



1 – O Bidu completa 50 anos. Como tudo começou?
Desde criança, pensava em criar historinhas e personagens, mas, quando vim para São Paulo, não consegui emprego de desenhista e fui repórter policial por 5 anos. Quando houve oportunidade, desenhei um cachorrinho com as características de um que tive na infância. Comecei com tiras de jornal, que imagina-se ser para adultos, mas as crianças gostavam das histórias que fazia e fui nomeado à categoria de autor para elas, o que gostei muito. Para comemorar os 50 anos, planejamos uma exposição com o que de mais importante fizemos, além de peças teatrais, músicas e um almanaque.

2 – O que falta realizar depois de meio século de carreira?
O artista não se aposenta. Em nossos estúdios, somos hoje uma fábrica de conteúdos e assim queremos continuar nos gibis, jornais, produtos e, principalmente, desenhos animados, visando a distribuição mundial. É o que nos falta para entrarmos na comunicação de maneira mais permanente. Também já criamos as características de uma família de personagens negros, que entrará na Turma da Mônica.
O pessoal de Angola, onde vamos lançar um Parque da Mônica este ano, nos ajudará na escolha de nomes com som bonito e significado interessante.

3 – Qual o objetivo de lançar, no ano passado, a Turma da Mônica Jovem?
Há muitos anos estudamos a Turma da Mônica Jovem, mas, depois do Centenário da Imigração Japonesa, fiquei próximo dos mangás, desenhos japoneses que invadiram o mundo, e pensei em utilizar elementos deles e aumentar a idade dos personagens para 15, 16 anos, para tratar de assuntos que antes não podíamos e mostrar que pode haver evolução. O Cascão da Turma Jovem, por exemplo, toma banho e se preocupa com higiene; a Magali escolhe a alimentação; e o Cebolinha não fala mais errado.

4 – Quais são as maiores preocupações ao lidar com crianças?
Quando se dá um gibi a uma criança, ela quer ler cada vez mais até achar que precisa cair nos livros. Nunca mais será a mesma. Nas historinhas, também é necessário ter cuidado com relação a hábitos e costumes. Não é difícil atender à criançada, basta ser transparente, ter curiosidade, bom humor e gostar muito delas. Eu gosto muito. Por isso, nossos personagens completam 50 anos pimpões, divertidos e modernos.

5 – No ano passado foram criadas as personagens Tikara e Keika para o Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. É importante se envolver nessas datas comemorativas?
Nossa história em quadrinhos é viva e dinâmica, pois precisamos falar do que acontece no mundo. Nossos personagens levam esperança, diversão e, principalmente, cultura. Nesse momento, estudamos a comemoração de amizade entre Brasil e Coreia.

6 – Já criou o Pelezinho e o Ronaldinho Gaúcho. Prefere criar personagens ficcionais ou baseadas em famosos?
Particularmente, prefiro personagens ficcionais. É um pouco arriscado criar
personagem baseado em alguém que existe. Por isso, tenho me recusado a atender pedidos de personalidades. Mas, às vezes, opto por algum, como Pelé e Ronaldinho Gaúcho, porque sinto que têm algo a passar ao leitor.



7 – É difícil acompanhar um público que mudou tanto em 50 anos?
Utilizo como fontes de inspiração filhos, netos e até um bisneto. Também falo com crianças nas escolas, com jovens nas universidades e com o pessoal do Orkut (site de relacionamentos). Essa interação é muito importante para eu saber, principalmente, para onde não devemos ir, pois para onde devemos avançar eu sei meio na intuição.

8 – Você teme se tornar repetitivo?
A minha vacina contra a possibilidade de repetição é trabalhar com equipe que se compõe de muitos jovens, que nunca permitirão que o estúdio se acomode. Por isso, sempre buscamos novas cores, energias e descobertas.

9 – Qual o papel da Mônica como embaixadora da Unicef e do turismo brasileiro?
A Unicef é muito preocupada com problemas que atingem as crianças, o que tem tudo a ver com os objetivos do nosso instituto cultural. Então, contribuímos em campanhas com a força e a credibilidade da Turma da Mônica e quero contribuir muito mais. Com relação ao turismo brasileiro, estamos produzindo livros sobre as diversas regiões do País e planejamos fazer desenhos animados para serem exportados, nos quais os personagens viajarão pelo Brasil. Estamos também num site da embaixada de Londres, na Inglaterra, que trata de turismo, principalmente no Nordeste.

10 – No Ministério Público do Estado de São Paulo há denúncia de que revistas da Turma da Mônica trazem anúncios publicitários destinados a crianças, o que estimularia o consumo. O que tem a dizer sobre isso?
De vez em quando o pessoal levanta bandeiras de forma um pouco exagerada, pensando em proibição. Alegam que, em nossas revistas, existem páginas com publicidade dirigida às crianças. E realmente essas páginas existem e continuarão existindo. Agora, quando recebermos documentação encaminhada pelo Ministério Público, nos defenderemos, provando que sempre tivemos carinho, atenção e respeito com nosso público.

11 - Como explicar que os gibis da Mônica adolescente vendam o dobro dos da Mônica criança?
Em cinco décadas, uma mudança extraordinária aconteceu no nosso público. Se antes adolescentes de 14 anos ainda liam e gostavam dos meus gibis, hoje eles começam a deixar de lê-los aos 7. Aos poucos, passam a considerar a Turma da Mônica coisa de criança e a comprar mangás japoneses. Quando estão com 10 anos, já se assumem como jovens. São os pré-adolescentes, meninos e meninas com preocupações e vontades diferentes daquelas que havia quando a Mônica foi publicada pela primeira vez. A infância, portanto, encolheu. Há mais ou menos cinco anos, comecei a pensar em uma maneira de não perder esses leitores. Minha solução foi oferecer a eles um pouco do universo jovem, que até então era reservado aos mais velhos. Pegamos os tradicionais personagens da Turma da Mônica e os inserimos em histórias com uma boa dose de relacionamento. Eles agora protagonizam cenas de ciúme, sentem atração pelo outro sexo e ficam inseguros no grupo. Estão com os hormônios pipocando e não sabem o que fazer com isso. No quarto número, colocamos a Mônica beijando na boca o Cebolinha, agora chamado de Cebola. Deu supercerto. Crianças de 7 anos voaram para o mangá como abelhas no mel. Leem as histórias e se projetam nos nossos personagens. As meninas não veem a hora de ser como a Mônica jovem: descolada, bonitinha, moderninha.

12 - Estamos perdendo anos preciosos da infância?
Essa melancolia que vejo em muitos adultos não faz sentido. Nada está sendo perdido. A questão é que tudo ficou mais intenso, condensado.
A infância diminuiu em quantidade, mas ganhou em qualidade. As crianças de hoje aproveitam mais e melhor o tempo e se tornam cidadãs e se formam como ser humano antes do tempo. Logo, logo, será preciso adiantar as datas para que possam entrar mais cedo na faculdade. Elas fazem tudo ao mesmo tempo e não se queixam disso. Não têm preguiça. Meu filho Marcelinho, de 10 anos, está passando alguns dias em uma cidade pequena no interior da Bahia. Está adorando conviver com um monte de crianças com bagagem cultural diferente. Brinca na rua, nada no rio, anda de jegue e joga bola livremente. A qualidade dessa experiência pela qual ele está passando é fantástica. O Marcelo está fazendo as coisas que eu fiz quando era pequeno. Mas ele não precisa passar vários anos da vida fazendo isso. Pode ficar apenas dez dias. Quando voltar a São Paulo, retornará para as aulas de inglês e será novamente um dos campeões de xadrez da escola. Jogará videogame e assistirá à novela. Então essa experiência na Bahia se somará às outras. É uma vida vibrante. O Marcelo não é excepcional. Todas as crianças hoje o são, mesmo as que moram em bairros pobres e favelas.



13 - O senhor foi criticado quando criou a Mônica jovem?
No Orkut, teve gente dizendo que eu apelei, que estava expondo as crianças a algo nocivo. Pura besteira. Os pequenos não entendem que uma roupa curta ou um decote têm algo a ver com sexualidade. Eles interpretam isso como algo fashion, colorido, quase uma mensagem gráfica. Outros disseram que eu devia estar sob efeito de alguma droga, que eu tinha matado a Mônica. Esquecem ou não percebem que nosso trabalho sempre tem a família como foco principal. Acontece que nas casas de hoje se pode conversar sobre tudo: sexo, drogas, violência. Se o pai não puxa esses assuntos, o filho de 5 anos faz isso por ele. É preciso parar de tratar as crianças como seres inferiores, sem senso crítico, sem experiência de vida. Tudo pode virar tema. Não é preciso censurar, apenas deve-se tomar cuidado para usar uma linguagem correta. Em 2004, decidimos que o Xaveco, amigo do Cebolinha e do Cascão, seria filho de pais separados. Ele passaria alguns dias com o pai e outros com a mãe, normalmente. Depois que publicamos a primeira história do Xaveco, nós nos sentamos e ficamos esperando os e-mails e cartas de reclamação. Não houve um único sequer. É um exemplo claro de como o mundo mudou.

14 - O Menino Maluquinho, criação do cartunista Ziraldo, é filho de pais separados e vai fazer trinta anos em breve...
O Ziraldo avança mais do que eu. Tenho de ser mais cuidadoso. No estúdio, no parque de diversões e nos escritórios de apoio, temos 500 pessoas trabalhando. Ainda há os funcionários da gráfica e das empresas que fazem os brinquedos. É uma responsabilidade muito grande. Tem gente pedindo para eu criar um personagem gay. Esse tema ainda é muito novo. Mas eu sei que, no futuro, se essa tendência continuar, será natural ter um homossexual na Turma. No meu estúdio, digo que não devemos levantar uma bandeira e ir à frente de uma passeata. Devemos segurar a bandeira quando ela já está passando. Precisamos falar a língua do dia e da hora, mas tomando certos cuidados. Foi com essa fórmula que construí minha carreira.

15 - O senhor já pensou em criar um personagem rebelde ou fazer histórias para adultos com mais realismo?
Confesso que não saberia fazer isso. Minhas histórias sempre têm uma preocupação, uma proposta de futuro. Tenho para com meus personagens uma atitude parecida com a que exerço com meus filhos. Às vezes, convoco um deles para um sermão, pedindo que se comporte melhor. Muita gente reclama que eu deveria mostrar coisas negativas, como miséria e fome. Também não é a nossa proposta. Durante a II Guerra, todos os personagens dos quadrinhos americanos foram para o campo de batalha. Todos menos o Ferdinando, do Al Capp. Quando perguntaram ao desenhista se o personagem era contra os Estados Unidos, Al Capp respondeu que o soldado que lia o jornal na trincheira não queria saber de guerra. Ele precisava, sim, é de algo gostoso, bucólico, que o fizesse lembrar que tinha um lugar para retornar quando o conflito acabasse. É essa, um pouco, a nossa ideia. Promovemos lazer, entretenimento e diversão. O resto, a criança encontra na televisão ou na esquina.

16 - Chico Bento é um personagem rural em um país no qual a maior parte da população é urbana. O personagem ainda faz sentido?
Chico Bento não vai sumir, porque as pessoas estão retornando ao campo. Não querem viver em uma tapera, mas almejam um lugar com qualidade de vida, perto da natureza. É isso que o Chico representa. Se pudesse, eu me mudaria para Caçapava, onde tenho uma chácara. Nos últimos anos, expulsei meus roteiristas de São Paulo. Eles trabalham em Porto Alegre, Ribeirão Preto, Jundiaí, Florianópolis e me mandam material diariamente. A cada trinta ou quarenta dias, todos se reúnem para uma conversa. Também não acho que Chico Bento fale de um lugar totalmente utópico ou idílico. Há um monte de cidades povoadas por gente simples, singela como ele. Basta procurar. Na China, o Chico faz mais sucesso que qualquer outro personagem. Os chineses são um povo rural, com a cabeça no campo. Adoram o nosso caipira.

17 - Com a internet, o celular e a preocupação com o consumo de papel, existe um futuro para os gibis?
O papel pintado ainda vai durar muito tempo. Há uma diferença gigantesca entre a atenção que as crianças dão ao que está no papel e a dedicada ao que aparece nos equipamentos modernos, como videogame e computador. Meu filho Maurício ouve música com três telas ligadas, joga videogame e estuda ao mesmo tempo. Para quem é mais velho parece estranho, mas as crianças de hoje conseguem fazer isso normalmente. Quando uma criança pega um gibi, contudo, ela se isola totalmente do mundo. Fica completamente mergulhada na história. Com isso, o gibi ou o livro ajudam os pequenos a se concentrar. O cérebro deles estabelece uma prioridade, o que é ótimo para o aprendizado e a memória. Se eles lerem gibis cinco minutos por dia, o papel nunca vai desaparecer.

18 - Seu filho Marcelo foi sequestrado no ano passado. Como ele assimilou o que aconteceu?
Apesar de ter ficado quase vinte dias em cativeiro, o Marcelo não carregou nenhuma sequela. Um dos fatores para isso é que ele ficou o tempo todo com um irmão menor e a mãe, que brigou para ir junto. Graças à presença dela, o Marcelo nunca se sentiu totalmente ameaçado ou sem proteção. Isso bloqueou qualquer dano à cabeça dele. Outro fator importante foi que, dois dias depois do estouro do cativeiro, eu peguei meu filho, coloquei-o no avião e o levei para Boston, onde eu tinha uma palestra para fazer na Universidade Harvard. Foi uma viagem maravilhosa. Ele conheceu Nova York, jogou bola e assistiu a minha conferência. Foi uma das melhores coisas que fiz, porque com isso ele aprendeu que os momentos ruins são finitos. Depois, Marcelo juntou tudo o que viveu nesses dias agitados e cresceu um pouquinho mais. As coisas ruins, dramáticas, ficaram na cabeça dele como se houvesse cortinas tapando. Se eu o tivesse prendido em casa, contratado um monte de seguranças e o proibido de sair, apenas teria ampliado aquela experiência traumática. Como não fiz isso, a ferida cicatrizou.



19 - A alta criminalidade nas cidades brasileiras impede as crianças de brincar na rua ou no campinho, como a Mônica e o Cebolinha. Chegou a hora de mudar o cenário das histórias?
Detesto me sentir refém em uma cidade como São Paulo. Fico triste quando ando no meu bairro e vejo que as casas viraram casamatas. Imóveis lindos estão completamente cercados por muros. Briguei muito comigo mesmo para aceitar blindar meu carro. Não queria fazer isso. Tenho ainda um Fusquinha amarelo que não é blindado. Quando o dirijo, o pessoal da empresa me chama de louco. Viver acuado é aceitar uma violência contra nós mesmos. É paradoxal. Evoluímos com tanta firmeza, criando tantas coisas para as crianças, e ao mesmo tempo mostramos tanta fraqueza diante da violência. São coisas que não batem. As crianças devem ter o direito de brincar na rua com segurança. Viajo muito por outros países e percebo que as pessoas não sentem essa tensão que vivemos aqui. Um dia temos de dar um jeito nessa situação.

20 - O senhor tem dez filhos com quatro mulheres, onze netos e um bisneto. Como se lida com uma família tão numerosa?
Ninguém pode pensar hoje que casou por toda a vida. As crianças perceberam isso. Pela minha experiência, quando os pais resolvem bem a situação entre eles, os pequenos não estão nem aí. São fortes, adaptam-se. Mesmo se porventura levam uma pancada, recobram-se e voltam ao normal. Quando meus filhos se juntam, são irmãos do mesmo jeito. Claro que às vezes um deles pode ficar com ciúme. É inevitável. Mas dá para contornar. Hoje somos um núcleo familiar em que há hierarquia e disciplina. Há inúmeros casos como o meu. Ao atravessarem essas mudanças, as crianças de hoje em dia ganham muito em autoestima. Aprendem que são capazes de resistir às mudanças e até de ensinar lições aos pais.

21 - Você se tornou tão famoso quanto a sua principal personagem, a Mônica. De que forma isso ocorreu?
Essa atividade é uma sequência tão agitada e dinâmica que você, primeiro, não vê o tempo passar. Tem que se preparar e adequar a cada dia ao que está acontecendo constantemente. Então, passam 10, 30, 50 anos e você tem a impressão de que deu o pontapé inicial ontem. Ao mesmo tempo, sente que no futuro vai ser a mesma coisa. É preciso preparar a estrutura para isso. Os problemas que temos hoje – que não considero problemas, mas desafios permanentes – estão ligados ao fato de a gente ter que se reinventar todo dia. Então, o que são 50 anos? São a continuação de um processo que vai continuar mais 50, mais 200, se a gente conseguir colocar a coisa para andar.

22 - O lançamento de ‘Mônica Jovem’ parece ser parte disso e a revista já chegou a vender 405 mil exemplares – batendo o maior número de revistas de HQ vendidas nos EUA no século 21 (a revista do Homem Aranha com o Obama na capa que vendeu 350 mil). Como é se adaptar e chegar ao sucesso?
Você tem uma estrutura, um plano, um sistema, um estilo, uma forma de comunicação que precisa ser reinventada. E essa reinvenção é em cima do que está acontecendo no mundo. É com base em informações, na análise de fatos atenta às mudanças e à dinâmica dos acontecimentos. Se você fez uma forma que no início já deu certo, é preciso acrescentar elementos que se encaixem nessa estrutura. É lógico que a coisa continua andando e prosperando. Já que a cada dia nasce gente nova, cada dia entra mais gente como consumidor de produtos culturais, a tendência é se manter e crescer.

23 - E como pesquisar as mudanças?
Fiquei cinco anos desenhando a primeira história e ainda buscando um caminho adequado. Normalmente, tudo o que faço aqui, apesar de ter uma equipe gigante, tenho que sentir. Tenho que dar o pontapé inicial, sentir, vivenciar. Nesses últimos anos, tive filhos adolescentes e tenho netos adolescentes. É um laboratório em casa. Tudo de bom e de mau que pode acontecer com os adolescentes está acontecendo do meu lado. Eu preciso não só olhar, conhecer, estudar, mas participar, dar palpites. E ainda, de algum modo, tentar influenciar em algumas coisas com a minha experiência, com o carinho que tenho que dar para filhos, para netos e para sobrinhos. É uma vivência. E essa vivência, nos últimos anos, acidentalmente, tive com filhos adolescentes, pré-adolescentes. Tenho filho de 10 anos que daqui a pouco vai ser o chamado “aborrescente”. Tudo isso é escola. Falo com a minha equipe, com os meus roteiristas para tentarem vivenciar a mesma coisa. Se um não tem filhos, eu falo: “Case e tenha filhos.” Se junte com a criança, com o jovem, frequente os ambientes. Tem que haver a sensação. A pessoa não pode criar do nada. Não pode ler uma coisa e depois puxar a informação do que leu. Tem que ter a informação e a sensação. Se você tiver isso, daí pode criar.

24 - Como foi sua fase adolescente?
As sensações, os medos, as dúvidas, tudo o que vejo nos jovens de hoje, também passei. O que vou ser da vida, o que vou fazer, para que lado vou.



25 - Você teve dificuldade com as meninas quando era mais jovem?
Todo moço tem, quem disser que não tem é mentiroso, que sempre ambiciona mais e quer mais. E não chega lá, pelo menos nos primeiros momentos. Eu era tímido, mas controlava bem, porque era de uma família de artistas e frequentava ambientes que me permitiam atravessar um pouco por cima da minha timidez natural. Durante a primeira parte da minha juventude, eu não tinha coragem de chegar para uma moça e falar “quero namorar você”. Nunca tive coragem. A iniciativa era delas.

26 - Apesar de trabalhar com arte, você parece ter uma história bem pragmática e conseguiu construir um império de quadrinhos. Você era prático desde novo?
Sou pragmático. Isso a gente vai não só aprendendo, mas recebendo influências e conselhos. Meu pai me ajudou nisso, porque foi um grande artista que não deu certo. Quando comecei minha carreira, ele falou: “Maurício, desenhe de manhã e administre o que você vai fazer à tarde, porque não tive essa preocupação e as coisas não andaram”. Ele era um artista mais completo que eu, mas não cuidou da carreira e talvez também tenha nascido antes do tempo das coisas que ele queria fazer. Quando comecei, tive as mesmas dificuldades, mas conversava, ouvia, estudava. Então, quando decidi fazer história em quadrinhos, fui estudar como era o mercado, o que vendia mais, do que as pessoas gostavam, qual era a tendência, o que no painel de produtos eu conseguiria fazer melhor. História de terror? Não. De sexo? Não. De aventuras? Acho que não. Infantil? Talvez. Desenho mais simples? É melhor, porque posso desenhar mais, fazer uma produção mais rápida. Eu trabalhava sozinho, não tinha equipe. Realmente fui buscando e lapidando o que poderia fazer. Quando me mudei para São Paulo, vindo de Mogi das Cruzes, queria ser desenhista. Lógico que não consegui. Como sugestão de um jornalista da Folha [de S. Paulo], que falou para eu me preparar melhor, entrei na reportagem. Durante o tempo que estava ali, pedia aos redatores e diretores de redação que me passassem tudo o que recebiam dos Syndicates americanos [agências norte-americanas responsáveis pela proliferação dos quadrinhos, que distribuíam notícias principalmente para jornais que não mantinham desenhistas fixos], porque era um modelo para mim. Então, recebia, estudava, via como era o folder, como eles faziam para vender o peixe. Me preparei. Como lia muito gibi, também varria os estilos e buscava a mistura que desse o meu estilo. Foi uma pesquisa natural.

27 - Teve alguém que ajudou você ou o orientou dizendo que caminho seria melhor seguir?
O único momento da minha vida em que alguém me disse que fiz uma porcaria, foi quando cedi um pouco a esse meu pragmatismo e vi que estavam rendendo muito as histórias de terror. Já tinha começado as tirinhas do Bidu e do Franjinha, mas fiz uma história de terror e levei para uma editora, cujo editor era o Jayme Cortez. Ele falou “mas não é você que faz aquele cachorrinho na Folha?”. Eu disse: “Sou”. E ele disse: “Por que você traz essa m**** para mim? Traz aquele negócio.” Então estava certo, aquilo que estava fazendo é que era o caminho. Mas o resto eu é quem ia buscar.

28 - Você já foi metaleiro, hippie ou você nunca se envolveu por essas vertentes?
Não [risos]. Tudo, depois desse começo das HQ, era interligado. Não tenho nenhuma página fechada. Detalhe: não tenho, porque não deu tempo. Tive que trabalhar desde cedo e não dava para inventar alternativas de entretenimento. Desde antes de fazer HQ, já pagava o aluguel de casa com os desenhos que fazia para as professoras do colégio.

29 - Como se adaptou às novas tecnologias? Já chegou a rejeitá-las?
Pelo contrário. Fico brigando com o meu pessoal para que não haja rejeição na empresa. E tenho muito problema com isso. Quando chegaram os primeiros computadores aqui, o pessoal queria pular pela janela, achando que ia perder o emprego. Agora, estão treinando para fazer arte final no computador. Estamos em plena campanha para o pessoal ir se adaptando. E em seguida vem o tablet [mesa digitalizadora]. Eu estou treinando, estou apanhando pacas, porque é outra coisa, você tem que aprender a desenhar. No ano de 1978 ou 1979, fiz a minha primeira experiência no tablet, nos EUA. Era um local secreto, com senhas e era preciso até autorização do governo norte-americano para usar o computador. Na época, o aparelho ocupava duas ou três salas. Desenhei o Horácio, o Pelezinho, mas saiu uma porcaria. Desde essa época até agora, não treinei. Só recentemente peguei o tablet. Mas lógico que as capas da Turma Jovem estão sendo feitas com ele.

30 - Qual famoso merece virar personagem? Em março, você entregou um desenho para o Ronaldo Fenômeno e o Ronaldinho Gaúcho já tem um.
Não posso falar. Mesmo porque não é a questão de ser famoso, às vezes é a mensagem que o cara significa de personificação, de ideal e exemplo. Quando criei o Pelezinho, o Pelé era e continua sendo uma legenda. O Ronaldinho Gaúcho é um sucesso mundial, sai em 32 idiomas. E é um ótimo jogador. Fiz uma tentativa de projeto com o Maradona, mas infelizmente não deu certo. Se eu parar para pensar e fizer uma avaliação, posso escolher transformá-los em personagens de sucesso. Aliás, ouço dizer – e isso não é ser metido – que sei fazer um personagem de sucesso. Mas tenho tantos personagens de sucesso, tantos filhos, que se colocar mais filhos no mundo, não vou cuidar bem. Então é melhor parar um pouco.



31 - Por que a escolha de nomes reais para os personagens?
É melhor pegar os nomes que já existem, fica melhor. Aliás, quando batizo os meus filhos eu já penso nisso [risos]. Os nomes bons para fazer personagem e até para a vida real são nomes com uma sílaba forte, com uma tônica bem colocada. Quando fui registrar a Mônica, falei: “Bem forte, tem uma batida, tem uma tônica boa.” Além disso, olho para os meus filhos quando eles nascem e sinto como serão [risos]. Quando a Magali veio, eu sentia pelo jeitinho dela que ela ia ser uma menininha gentil, feminina e tudo o mais. Então, vamos para um nome mais suavizado, mais musical. E daí por diante. Se puder buscar nomes assim, não vou precisar inventar nomes artificiais.

32 - É a hora de investir em personagens mais rebeldes, adotados, gays?
Adotados sim, estou pensando. Inclusive tenho conversado sobre isso. Mas nunca faria uma história sobre adoção, sobre gays, sobre sexo, sobre tóxico. Isso deve permear em alguns casos. O tema é jovem e, no meio da história, podemos sugerir algum tipo de comportamento.

33 - Como é essa escolha?
Tem coisa que as pessoas pedem, que está na hora de fazer e tudo mais. Mas sinto que não tem liga ainda, que não tenho informação, que não tenho vivência. Estamos lançando uma revistinha, agora, com um personagem com síndrome de down. Estou estudando isso há anos, porque cada país, cada região, cada cidade trata de forma diferente o problema do down. Estudei, fui em escolas nos EUA e em Curitiba. Existem diversas maneiras de tratar e interpretar as coisas até em termos médicos, de tratamento. Como fazer a coisa genérica? Tenho que pegar todos os dados e fazer um personagem genérico, para não brigar com tendências e não ferir suscetibilidades. No caso da adoção, estou acompanhando alguns casos e colaborando com projetos em que vi assuntos e temas muito desconhecidos para o comum dos mortais que não está envolvido nisso. Se nós tivéssemos a oportunidade de colocar algumas informações, poderíamos ajudar de alguma maneira o processo de adoção. A gente pode fazer, pode entrar na revista e ainda pode ajudar. Só não dá para colocar algo que não seja para entreter. Senão, fica uma cartilha, um negócio chato.

34 -Você ainda desenha?
Leio tudo o que é feito, coordeno, oriento e sugiro modificações. Às vezes chega uma história que está pecando em um terço da página, por exemplo. Então, faço o rascunho e devolvo para redesenharem.

35 - O que lhe irrita muito?
O serviço malfeito, quando executado por alguém que sabe fazer o serviço bem-feito. É a única coisa que me tira do sério.

36 - E no pessoal? Você briga quando deixam o copo mal lavado, ou não?
Não sou tão neurótico, prefiro chamar a atenção. Mas quando há perda, no caso profissional, ou enganação, no lado pessoal, eu fico irritado. A irritação, com o passar do tempo, é uma reação que muda e você vê que não precisa jogar o telefone na parede, como já fiz, que não precisa virar a mesa, literalmente, como também já fiz. Você descobre que pode falar de alguma maneira, usar sua experiência com um tipo de mensagem.

37 - Como é uma pessoa responsável escrever um quadrinho bem humorístico? Isso ajuda?
Acho que tudo na vida tem que ser levado com bom humor, senão não vale a pena. Se você vai organizar algo e trabalhar feito louco, é melhor montar as escadas assobiando do que preocupado se você vai conseguir ou não. A propósito, uma vez eu estava em um estúdio na Folha, começando um projeto. Na hora de parar um pouco e tomar café, você não está fazendo nada. Eu estava subindo as escadas em um prédio da Folha e assobiando. Passou o Octávio Frias de Oliveira, o dono da Folha de S. Paulo [considerado padrinho da Turma da Mônica, por ter ajudado Maurício em seu início de carreira]. Ele me perguntou por que eu estava assobiando. Eu não tinha uma resposta e disse que era porque achava legal, porque gostava e estava bem. Ele ainda perguntou se eu assobiava sempre. Disse que sim. O Seu Frias, preocupado com o jornal, acho que tinha esquecido de assobiar naquele pedaço da
vida dele [risos].

Nenhum comentário:

Postar um comentário