quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

NO FUTURE 5.



O prazer de entrar no circuito. O resto é... SILENCE! Não, é peeps, sssss, cartão entrando, cartão saindo, demência magnética em arco planetário. International collect para Zimbabwe. Alô, zulu nation? Get down to the funky beat gueguegueGET DOWN! Aiport life. O lugar privilegiado de regulagem de trocas e comunicação. Anonimato e mobilidade. Todos são iguais perante as técnicas de vigilância. A antecâmara privilegiada da Tecnópolis futurista – comunidade em perfeita interação. Estilo? Incógnito Básico Internacional. Som? Aquele muzak das subgaláxias. Warhol e Eno fizeram sinfonias em áudio e vídeo para aeroportos. Hoje, o tema só rende mesa-rendonda: psicopatologia política da paranóia na era do terrorismo high-tech. Monitoração. Vigilância computadorizada. Teatro privilegiado de pesquisas militares. Câmera alegremente filmando todos os passantes em videoteipes para os arquivos do Estado. Poliziotti ubíquos de submetralhadora a postos – seus Uzi não pesam uma tonelada, mais disparam chumbo grosso, em caso extremo. Tem mais, meu senhor: tem coisas que o senhor não pode transportar. Aqui nos You Ess of Ei, não pode entrar com absinto, doce com licor, arma de fogo – munição tampouco –, narcótico, ticket de loteria, fogo de artifício ou “dangerous toys”. Não tinha nenhum desses “dangerous toys”, por isso entrei. Passei. E segui. Mega-brega Newark. Não está nem no top 100 dos aeródromos cult, quanto mais no top 10. Aqueles com os quais você desenvolve uma cumplicidade insubstituível. Jay Ef Kei, em Nu Yok. Heathrow. De Gaulle. Frankfurt. Gatwick – o mais lovely entre os bregas. Narita. O de Moscou – com os mini-KGB te espreitando de cada fresta. O de El Ei – verdadeiro drive-in do MacDonald’s, versão brega. Mudam os aeroportos e mudam os gin and tonic. Muda a conformação psíquica do bar-man. Ínfimas dissoluções perspectivas para identificar o real angst de cada solitário estrangeiro em solilóquio com seu copo. Glória ao bar-man que perscruta seu cliente e solta a interjeição certa para o teor etílico certo. Desastre em Newark. Bar mais impessoal do que joint de junk food. Poucos se igualam àquele memorável James Cagney de Atlanta, Geórgia. “Atlééénra.” Geórgia. Terra de James Brown, Otis Redding, Little Richard e Kim Basinger. Brilliant. Que sabedoria. Que finesse na meticulosa gradação do drink. Que real calor humano pela arte da etilização itinerante. Mais aqui, não, lá no megabrega Newark... Jet lag, duty free, passarela, plastic food, aldeia global, in-flight entertainment, saco de vomitar, toilete químico, “Time” magazine dizendo que o tempo é outro e o tempo é o mesmo, intimações de cultural shock, saturação de um estado de sítio em Aiport-Time, o tempo onde só existe o presente – as chegadas e as partidas para outras timezones, outras, a mesma, Aiport-Time. Como os cassinos de Las Vegas, que só têm um tempo. Houve um tempo em que, no ar, davam aspirina, chiclete e nembrutal como “conforto”. E, na terra, havia sempre a possibilidade da tensão de um encontro com o de Bogie e Bergman em “Casablanca” – aquele aeroportinho em um backyard de estúdio em El Ei. It’s over. A mídia nos informa. Os aeroportos nos separam. Só resta a carreirinha de copos vazios com um pedacinho de limão enrugado, o efeito Valium e... BONK! Outro People, sobre os céus dos You Ess of Ei, conquistando o Oeste, going to California. No tempo das diligências era mais confortável. E o bourbon do duty free não batia “desse” jeito.
Cal-fornia. O fim da fronteira do Oeste. Flertando com as luzinhas de Nippon, lá longe, e no meio, a vagina rumorosa do Pacífico. O People desloca-se como uma seta sobre os desertos, inscrito com um sinal de adição. Mais. Vai para a terra do “mais” tudo – afluente, urbanizada, criativa, violenta, otimista, ansiosa, desigual. Modelo máximo do pós-tudo avançado, triunfo glorioso de conhecimento, serviços, tecnocracias, hedonismos e high-techs com correspondentes atitudes e modos de vida. Tudo concreto. E tudo completamente irreal. Ficção à frente dos fatos – utopias standard representadas por qualquer tribo. California dreamin’, really, um sonho, o pensamento e a linguagem já se afogam nas ondas do Pacífico, absorvidos pelas fragorosas páginas aquáticas imemoriais – e olha que People ainda está sobre o deserto do Arizona, falta o de Nevada, falta o Mojave, e... o beijo nas praias externas do ocidente, campus assépticos de universidades olímpicas, institutos de pesquisa em guerra nas estrelas, implantações da General Atomic, focos de chicanos explosivos, grupos de música experimental, rogerianos, ecólogos radicais, biomédicos soft, formigas bronzeadas que ao crepúsculo dispersam-se pelo luxo suburbano interminável, as vidas mergulhadas na sombra, engolfadas pela selvageria do Pacífico – até que terremoto ou maremoto as chame como Circe para o fundo da vagina rumorosa, condenando ao silêncio a superposição multilíngüe de motivos e sons.
Travessia de fronteira. Para os californianos, o leste dos You Ess of Ei já é a Europa. A verdadeira divisão interna do Ocidente não é o Atlântico. São as montanhas Rochosas e os desertos. Para “cá”, é o mundo em velocidade standard. Para “lá”, o mundo em velocidade plus. People, inadvertidamente para os que roncam neste escuro, morno e seco útero do nada classe econômica, aumentou a velocidade do seu jogging sobre as nuvens – só se pode falar sobre Cal-fornia correndo, sem estar aqui, sem estar lá, sem estar em nenhum lugar. Como se sabe, não existe carteira de identidade nos You Ess of Ei. Só carta de motorista e cartão de crédito. Ou seja, capacidade de atravessar o espaço e capacidade de participar de um jogo de contratos entre os cidadãos. Identidade? Eles sabem que não passa de um ultrapassado dogmatismo europeu. O que interessa, o que define a modernidade e todos os seus pós, são operações de trânsito e de troca. Ética da produção – você é o que você faz. Cal-fornia é esta lógica levada ao limite.
Lugar privilegiado de ritos de passagem. Todos são imigrantes. Mais da metade da população não nasceu em Cal-fornia. Imigram os chicanos irregulares, os negros do Sul, os velhinhos que economizaram toda uma vida, os aventureiros em busca de experiências estéticas, sociais, psicodélicas, os chineses, os italianos, os nórdicos. E todos trocam. Tudo. De casa, de cônjuge, de casa, de carro, de emprego, de livros. A “identidade” é estilhaçada pela velocidade de movimentos. O trabalho combina a virtude ao lucro – de acordo com antiga tradição bíblica e puritana. Mas privilegia o avida dollars ganho merecidamente, não o ganho efetivamente. A ética avida dollars tem seu contraponto: Las Vegas. A transgressão pop do moralismo, viável a todos. Na fronteira de Cal-fornia, já em Nevada. Dollars em livre rotação, desvinculados do peso de poupança e mérito. A cacofonia de moedas caindo nas conchinhas metálicas das jackpots, em meio a uma gritaria dos diabos, é a Ópera invertida à Missa do trabalho cotidiano. O jogo está para Vegas como o bordel está – ou estava – para a família burguesa tradicional: desmistificada o respeito a dollar como o bordel desmistifica a mãe. Carnaval do In God We Trust impresso na verdinha, o Rei Momo do poder moral, lei social e valor de troca.
Eles têm umas coisas de civilização extrema... Respeite o meu espaço próprio, que eu não te submeto a juízo. O que você é, é problema seu. Mas não invada a minha autonomia. Brilhante. Vai tentar viver assim em um país latino... Onde todo mundo quer se meter na vida de todo mundo... Em Cal-fornia a vida de cada um glisse, este esplêndido termo francês, again, glisse, glisse um pouco mais de uma liberdade solitária, oceânica, não submissa à linguagem...
E a vida real é invisível. Tudo é espetáculo. “Vida social?” Não se vê. Se faz. DO IT. Actoin. Impossível uma representação global – política ou ideológica. É tudo uma questão de delicados equilíbrios pragmáticos em série infinita, circuitos em concorrência e, no background, a teia de histórias privadas. O que resta? Acompanhar a sucessão interminável de detalhes – como se acompanha o desfile de microcosmos pop nos intermináveis boulevards de El Ei. Pegue um jornal. O Los Angeles Times. Um diário bem razoável. Tão razoável quanto um Guardian ou um Corriere Della Sera. Mas qual é a diferença? É uma teia de crônicas. Nada mais que isso. Flashes rapidíssimos. Histórias infinitesimais. Armazenadas, narradas e permutadas com erudição de computador. Para que o Los Angeles Times precisa cobrir política e cultura internacionais? Para ele – como empresa, e na cabeça de cada um de seus jornalistas – apenas Cal-fornia é uma enciclopédia do mundo inteiro. A única. Bem que o velho Buda Borges desconfiava, embora não admitisse...
Formidável o título daquele thrillerzinho visto em algum vôo noturno. “Eight Million Ways to Die.” 8, 10, 20, 20 e poucas milhões de historinhas diferentes. That’s Cal-fornia, folks. Teatro de representações contínuas. Mas o espetáculo contínuo é apenas a metáfora de uma realidade irrepresentável. Fotografável? Mas é claro. O teatro – e seu duplo: la photo. No texto desta realidade irreal, ela produz seu fantasma exótico. As pessoas emigram para além delas mesmas. O que é o retorno da fotografia americana ao realismo? Nada mais do que uma subversão. Uma mutação do cotidiano em alucinação.
Devia ter uma Desert Music, de Steve Reich, com poemas de William Carlos Williams à côté, rodando nessa “programação musical” da People. No away. O usuário-padrão ia logo pensar em uma interferência linha Triângulo das Bermudas. Enxugaria em minutos seu bourbon duty free – perturbando os sorrisos Colgate das amáveis Peoplelettes. O deserto de Nevada, lá embaixo... Ficaram quietinhos, aqui no charuto de lata. Deve ser o filme: “Chapeuzinho Vermelho”, produção Cannon, com Isabella “bluuuuuuuue velvet, bate que eu gosto” Rossellini de chapeuzinho, e todo mundo na platéia querendo ser o lobo mau. Mutreta das Arábias, essa dos go-go boys: lavar o inconsciente da criançada planetária com suas versões a-pente-fino-ideológico dos clássicos infantis. Mas sou, somos, pais e filhos, coiotes do deserto por ti, Isabelita Joana D’Arc, a filha de Bergman que todo filho de Bogie espera na próxima escala, no próximo cimento de um exclusivo Casablanca Airport pós-Airport Time, e dessa vez Bogie e Bergman, por procuração, partem juntos, para a viagem interminável, nada de Bogie obrigá-la a partir sem ele com um moralismo heróico altruísta absolutamente out, “you will regret it, maybe not today, maybe not tomorrow, maybe for the rest of your life...”, imagina, – você deixaria? ninguém deixaria, La Bergman indo embora com o maridão e você desaparecendo nas brumas do aeroporto no backyard do estúdio em El Ei murmurando para o inspetor “I think this is the beginning of a looooooooong friendship...” Não. Você ia seduzir. Seduzir a Isabelita Vermelha. Seduzir. A única intensidade vital.
Desert Music. A 10 km sobre o deserto. Céu light blue, terra blue geológico, cortada por formas sinuosas, ondulações minerais, atravessada pela sombra do charuto laminado. Ariazinha de Verdi intromete-se na visão do deserto light em plongée. La Vergine degli Angeli. A da Força do Destino, de Verdi. “Que a Virgem dos Anjos o envolva com seu manto de paz.” Gli angeli sopra il deserto... tragédia romântica espanhola... Manto de paz no silêncio do éter.
Mas o deserto vai acabar, e surgirá, espremida entre o deserto e a vagina interminável do Pacífico, a proliferação interminável de El Ei. É como se o Godfather of Soul, fase hard funk breaking the bones of the jungle grooves, entrasse com uppercuts à la Muhammad Ali na bliss envolvente da Vergine degli Angeli. Máquina de guerra ameaçando a paz mineral. El Ei como metáfora soft da guerra pura estudada por Paul Virilio? O êxtase da guerra irreal, virtual e ubíqua? Why not? Vírus letal. Abismo eventual potenciado ao infinito. Resultado? Êxtase. Indiferença. Êxtase da indiferença.
Que tal uma Disneyland no deserto? Para mostrar que o deserto é irreal? Já tem. Vegas... E os supermercados. Disneylands para as turbas solitárias, em circulação soft por paraísos artificiais populados de objetos coloridos, enciclopédicos como todo bom jardim de delícias... Computer-organized. Zonas de verdura e regiões frias. Metais, gadgets, frutas. Jardim protegido da violência. Circunscrito por muzak ligeiramente eufórico, como uma linhazinha branca. Harmonia. Que santa harmonia. Como os leões e as serpentes na visão messiânica de Isaías, as palavras reconciliam-se com as coisas, não via Foucault, mas via etiquetas minuciosas. Cifrar, nomear e liberar o livro transparente do universo... Supermercado com biblioteca antibabélica. Cada um detém-se na leitura atenta de um repolho ou um sapóleo – como poderia ser Faulkner ou Musil. Examinar. Murmurar o prazer de deslizar pela biblioteca aberta, contraposta à rigidez puritana do grande – e do pequeno – magazine, onde interpõe-se a fronteira proibida, a vitrine, para vetar à mão o que se oferece ao olhar. Transgressão solitária no museu, marshmallow só na superfície. Depois, de volta à norma, caixa automático, produtos na luzinha, peep na maquininha, hello, goodbye, back to the parking lot, back to surreal life. Poupar e gastar, máscaras de tragédia e comédia no Teatro Enfeitiçado da Avida Dollars Inc. No background... não tem Jesus and Mary Chain fuzilando radicais do beach break em “Kill Surf City”, screeeeeeeeeeech!!!, nem o Príncipe das Trevas entornado no trumpete de Lucífer em registro subzero cool infernal. No background, só solidões dissociadas da linguagem. Alguns segredos do corpo, algumas ações pontuadas, alguma consciência – ética, religiosa ou otherwise – em fragmentos.
Wop dorme seu sonho de cristal líquido. Walkman dorme. Polaroid Image System dorme. Sem fio, fone, tela, só olhos na janela. Paradoxos em jet lag. O hemisfério é o mesmo, Norte, mas o temporal, é outro. Vertigem sci-fi. Torpor paradoxal. People voa contra o relógio. No inverso do tempo. Ou é mais rápido do que o tempo... Letargia... Amnésia... Sonhos... vagos. It’s so poetic, is it not? Yeah… Efeito de sister Heroin…
Voyeur high-tech com olhos de raios X... O futuro é cegante, só dá para segurar de Ray-Ban Wayfarer... The secret agent man...

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