sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

TEM QUE TER RAIZ.



Depois da escorregada com aquela disco tipo "cantora de barzinho" brasileira, ela volta ao lugar de musa da música lusitana.

Tereza Salgueiro - Matriz
Teresa Salgueiro sempre teve qualquer coisa de princesa encantada de outro tempo, uma espécie de Inês de Castro (a perdição de D. Pedro I), desde os primórdios dos Madredeus. E este novo álbum, Matriz, que assina com Z à antiga, confirma essa sensação. A cantora foi à fonte da sua terra, Portugal, para um disco de recolha do arquivo cancioneiro nacional.
Em três decisivos anos, durante os quais anunciou a saída dos Madredeus (após 21 anos de trabalho), este é já o quinto álbum de Teresa Salgueiro. Com o contributo fundamental do remodelado Lusitânia Ensemble (dirigido pelo violinista Jorge Varrecoso Gonçalves), Matriz é talvez a obra mais exigente de todas que Teresa Salgueiro fez sem o cordão umbilical dos Madredeus.
Acompanhada por um septeto (de percussionistas, violoncelista, violinista, acordeonista, contrabaixista e do guitarrista acústico Pedro Jóia), Tereza Salgueiro tenta colar a sua voz angelical aos mais variados cenários históricos da canção tradicional portuguesa.
Através de um percurso cronológico crescente ao longo de 20 faixas, Tereza Salgueiro testa a canção medieval (uma com letra do rei D. Dinis, outra de um jogral, as duas compostas por Afonso X de Castela), atravessa a época renascentista (em Puestos estan Frente a Frente, narra-se o desaparecimento de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir), arrisca canções tradicionais de rituais locais salvos do esquecimento pelos esforços musicólogos de Michel Giacometti e de Fernando Lopes-Graça, e atreve-se a dar voz a clássicos do fado popularizados por Amália (como Com Que Voz, de um poema de Luiz de Camões, e Foi Deus). Salgueiro conclui o disco com a interpretação da famosa composição de Fausto, Por Este Rio Acima (letra inspirada nas crónicas de viagem de Fernão Mendes Pinto, do sex XVI).
Carlos Paredes também não é esquecido em duas músicas instrumentais - Danças Palacianas e Danças Portuguesas - com fausto de corte. Teresa Salgueiro não prescinde dessa vaidade nobre, mesmo quando pega nos populares Vira da Desfolhada e Malhão de Cinfães, dando-lhes vestimentas de seda e bons perfumes, transferindo-os da rua para uma festa de gala.
Há momentos desta viagem pelo tempo de Teresa Salgueiro que lembram algumas peças instrumentais dos Madredeus, como o idílico início do álbum Espírito da Paz; ou até andanças a solo de um ex-companheiro ainda mais distante, Rodrigo Leão, em "filmes" como Ascensão (tema dos Sétima Legião) que a cantora não viveu. Mas o picado pelo arquivo cancioneiro de Tereza Salgueiro, de trato erudito amíude, é mais leve e folião na sua natureza.
Matriz é uma graça, quem sabe, uma experiência individual enriquecedora para a cantora. De tão ambiciosamente académico, o álbum sofre de um complexo de gigantismo, volumoso e desequilibrado demais para se ouvir. Ao contrário dos volumes de história, os discos são mais exigentes na linha de peso.

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