terça-feira, 14 de dezembro de 2010

VAMOS LER UM BOCADITO.



A ressaca dos anos 60
por Martim Vasques da Cunha


Mikal Gilmore não é qualquer um. Escreveu um belissímo livro sobre sua terrível experiência pessoal com a história de seu irmão Gary, que foi o último condenado a morte do estado de Utah, Tiro no Coração (a tragédia também foi o tema de uma obra prima de Norman Mailer, The Executioner´s Song). Fez belas reportagens e entrevistas para a Rolling Stone com sujeitos como Bob Dylan, Bruce Springsteen e Mick Jagger. Sabe escrever. Sabe ouvir uma boa canção de rock e passar a sua emoção ao leitor. Então por que diabos Ponto Final, sua última coletânea de ensaios lançada pela Companhia das Letras, é tão fraca?

Seria pelo fato de que, logo na abertura, ele faz o panegírico de Barack Obama, saudado como “um dos acontecimentos mais importantes de sua vida”? Não, não é isto: depois de ontem, provou-se que Obama tem ainda muito a aprender para virar realmente um personagem histórico, depois de sua derrota com a eleição estadual e municipal, em que os Republicanos ganharam a maioria da Câmara e quase levaram o Senado.

Suspeito que a verdadeira razão é o fato de que seus textos sobre os anos 60 não passam de um pot-pourri de outros escritos de outros autores. Gilmore coleciona declarações de seus objetos de estudo e as coloca no seu ensaio como se quisesse revelar algo novo. Não faz nada disso. A única coisa que provoca é um bocejo e uma sensação de déja-vu.

Claro que Ponto Final tem suas qualidades – mas elas só surgem se o leitor se distanciar do engajamento político que Gilmore tenta dar ao seu panorama. A primeira delas é ser uma espécie de introdução ao bom rock-n´-roll, com textos interessantes sobre Johnny Cash e Led Zeppelin – além de ensaios instrutivos sobre Allen Ginsberg e Hunter Thompson, personalidades que não eram músicos, mas que emolduraram a década de 60 com suas palavras e suas técnicas narrativas ousadas. A segunda é ser uma visão panorâmica dos anos 60, que vai da felicidade provocada pelas bebidas e pelas drogas, até a ressaca moral que se abateu sobre cada um deles, com mortes, tragédias pessoais, rixas, invejas e solidão. Aqui, Gilmore quer dar uma de intelectual progressista, com loas ao “poder liberador dos estimulantes”, mas, a contragosto, torna-se um reaça de primeira, ao notar a autodestruição que tudo isso causou. Afinal, todos os seus heróis morreram ou quase foram para o lado negro da lua. E quem sobreviveu passou por uns maus bocados para contar a sua história.

Eis aqui a terceira vantagem deste livro: os perfis finais, com uma análise instigante de Bob Dylan a partir do lançamento de suas memórias, Crônicas Vol. 1 e uma entrevista peculiar com Leonard Cohen, feita logo depois que este decidiu retornar à vida pública e abandonar a reclusão em um monastério budista. Fica claro a intenção de Gilmore ao colocar estes dois “sobreviventes” na última parte de seu livro. Dylan e Cohen viram o abismo e voltaram dele. Se conseguiram contar a história, só o tempo dirá. O que importa agora é ouvi-los, mesmo que um pareça blasé demais (é o caso de Cohen) e o outro críptico em excesso (o caso de Dylan). O principal já foi feito: eles foram os únicos que ainda estão aí.

A fragilidade do livro de Mikal Gilmore está em querer encaixar a história de ilusão e desespero em um “ponto final” que termine em esperança – leia-se: Barack Hussein Obama. Como já sabemos, ambos não conseguiram. O próprio Obama vive agora uma ressaca moral que não se sabe como vai escapar. Contudo, o rock-n´-roll se mostra cada vez mais vital. Como a garota Jenny, da canção de Lou Reed, se dependermos destes “sobreviventes” que continuam em nossas memórias, ainda ouviremos suas canções nas rádios e nos iPods sem nos preocuparmos com nenhuma interrupção definitiva.

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