quarta-feira, 31 de agosto de 2011

terça-feira, 30 de agosto de 2011

SONZEIRA LEGAL!!! #18

O LIVRO ME ACHOU #1

Quem nunca foi numa livraria, sebo, biblioteca, puteiro (!!!) e não foi surpreendido por um exemplar magnânimo te sacando quietinho de longe. Hein?!
Pois bem, daremos aqui os nomes dos bois ou vacas.
Sem mais, o tempo urge e o saco coça, lancei os dados.



Blackwater: O exército sombra de Bush
por Jeremy Scahill [*]

Em 10 de Setembro de 2001, antes de a maioria dos americanos ter ouvido falar da Al Qaeda ou sequer imaginado a possibilidade de uma "guerra contra o terrorismo", Donald Rumsfeld subiu à tribuna no Pentágono para pronunciar o seu mais importante discurso como secretario da Defesa sob o mandato do presidente George W. Bush. De pé, perante os executivos que ele próprio nomeara para altos cargos de supervisão dos suculentos negócios dos contratos militares – muitos deles procedentes de empresas como a Enron, a General Dynamics e a Aerospace Corporation – Rumsfeld proclamou uma declaração de guerra.

"A questão que nos ocupa hoje é um adversário que coloca uma ameaça, uma séria ameaça, à segurança dos EUA", disse Rumsfeld. "Esse adversário fragiliza a defesa dos EUA e põe em perigo a vida dos militares homens e mulheres deste país". Disse à sua nova equipa, "pensarão certamente que me refiro a um dos últimos decrépitos ditadores mundiais...[mas] o adversário encontra-se muito mais perto de casa, trata-se da burocracia do Pentágono". Rumsfeld pediu uma mudança drástica na administração do Pentágono, suplantando a velha burocracia do Departamento de Defesa com um novo modelo baseado no sector privado. Ao anunciar esta grande reforma, Rumsfeld comentou à sua audiência que "não tenho a intenção de atacar o Pentágono, apenas o quero libertar. Temos de o salvar de si mesmo".

Na manhã seguinte o Pentágono seria literalmente atacado ao embater um Boeing 757 – o voo 77 da American Airlines – contra a sua fachada ocidental. Rumsfeld ajudou as equipas de resgate a retirar os corpos dos escombros, num gesto pleno de notoriedade. Mas não demorou muito para que Rumsfeld aproveitasse a oportunidade apresentada pelo 11/Set, inconcebível até aquele momento, para pôr em marcha a sua guerra pessoal. A nova política do Pentágono iria enfatizar as missões encobertas, o armamento refinado e uma maior confiança nas empresas privadas de segurança. Ficou conhecida como a Doutrina Rumsfeld. "Devemos promover uma atitude mais empresarial, que leve as pessoas a serem mais proactivas, em lugar de reactivas, a comportarem-se menos como burocratas e mais como capitalistas empreendedores", escreveu Rumsfeld no verão de 2002, num artigo para a revista Foreign Affairs intitulado "Transformar os militares" (Transforming the Military).

Apesar de Rumsfeld ter sido posteriormente afastado da administração com a intenção de acalmar os críticos da guerra no Iraque, a sua revolução militar havia chegado para ficar. Na despedida de Rumsfeld em Novembro de 2006, Bush reconheceu que ele levou a cabo "a maior transformação da postura global das forças armadas americanas desde o final da Segunda Guerra Mundial". De facto, a nova marca da casa de Rumsfeld, "sem deixar rasto", originou um dos mais significativos desenvolvimentos da actual forma de fazer a guerra – o uso generalizado de empresas privadas de segurança em qualquer vertente da guerra, inclusivamente na sua participação em combates.

É frequente não se fazer uma análise profunda do grau de subcontratação e privatização, verdadeiramente sem precedentes, das guerras pós 11/Set. Desde o instante em que se iniciou a preparação das tropas norte-americanas para a invasão do Iraque, o Pentágono transformou as empresas privadas de segurança numa parte integrante das suas operações. Inclusivamente, quando o governo passava a ideia de que estava a tentar a via diplomática, a Halliburton estava a preparar-se para uma operação de larga escala. Quando os tanques dos EUA entravam em Bagdade, em Março de 2003, levavam com eles o maior exército privado jamais movimentado numa guerra moderna. Quando em finais de 2006 Rumsfeld deixa o seu cargo, havia no Iraque aproximadamente uns 100 mil contratados privados – uma proporção de quase um para um com os soldados americanos.

Para grande satisfação da indústria de guerra, Rumsfeld, antes de se demitir, tomou a extraordinária decisão de classificar os contratados privados como uma parte oficial e integrante da maquina de guerra norte-americana. Na Revista Quadrienal (Quadrennial Review) de 2006, do Pentágono, Rumsfeld fez o esboço daquilo a que chamou "mapa para a mudança" no Departamento de Defesa, que, disse ele, começou a ser implementado em 2001. Definia a "Força Total do Departamento" como sendo "os seus componentes militares activos e na reserva, os seus funcionários e os seus contratados, que no conjunto constituem a sua capacidade de combate. Os membros da dita Força Total servem em milhares de lugares no mundo, levando a cabo uma vasta série de tarefas a cumprir em missões críticas". Esta designação formal representou o principal triunfo obtido pelas empresas privadas bélicas – conferindo-lhes assim uma legitimidade nunca antes desfrutada.

As empresas privadas de segurança proporcionaram cobertura política à administração de Bush, permitindo ao governo deslocar forças privadas para uma zona de guerra fora de alcance do escrutínio público, com as mortes, os feridos e os crimes das ditas forças, envolvidas no mais absoluto segredo. A administração dos EUA e o anterior Congresso, controlado pelos republicanos, protegeram as empresas privadas de segurança de ter de prestar contas, de serem supervisionadas e de qualquer outro impedimento legal. Apesar da presença de mais de 100 mil contratados privados no Iraque, apenas um deles foi acusado de crimes ou violações. "Temos cerca de 200 mil tropas no Iraque mas metade delas não são contabilizadas, e o perigo disto está em que se exige zero de responsabilidade", comenta o democrata Dennis Kucinich, um dos principais críticos no Congresso com a contratação da guerra.

Apesar de no passado recente ter existido um monopólio republicano no governo, o que constituiu a era de ouro para a indústria de guerra, parece que os seus dias chegaram ao fim. Passado apenas um mês do início do novo mandato do Congresso, destacados representantes democratas estavam já a anunciar investigações sobre os contratados de guerra fugidos. O congressista John Murtha, presidente do Appropriations Committee's Subcommittee on Defence (Subcomissão da Defesa para o Orçamento), ao voltar de uma viagem ao Iraque, em finais de Janeiro, disse que "vamos levar a cabo extensas audiências para esclarecer o que ocorre exactamente com os contratados. Não têm uma missão clara e estão em roda-livre ". Dois dias depois, durante as audiências preliminares do general George Casey, como chefe de pessoal do exército, o senador Jim Webb declarou "temos um exercito de aluguer no estrangeiro". Webb perguntou a Casey, "não seria melhor para este país se essas tarefas, em termos de custo e especialmente para as tarefas quase-militares relacionadas com o combate, fossem levadas a cabo por soldados no activo?" Casey defendeu o sistema de subcontratação mas disse que os contratados armados "são aqueles que devemos controlar muito de perto". O senador Joe Biden, presidente do Foreign Relations Committee (Comissão para os Assuntos Exteriores), também anunciou que realizará audiências sobre as empresas privadas de segurança. Paralelamente a estas investigações, há varias propostas de lei a ganhar força e apoios no Congresso, e destinadas à supervisão dessas empresas.

Por detrás de todas estas deliberações está a opaca empresa de mercenários Blackwater USA. Totalmente desconhecida para a maioria dos americanos e em grande parte fora do alcance do radar do Congresso, a Blackwater consolidou uma posição de efectivo poder e protecção no interior da máquina de guerra norte-americana. O êxito desta empresa representa o trabalho de toda uma vida dos responsáveis conservadores que fazem constituíam o núcleo da equipe de guerra da administração Bush, para quem a privatização radical era há muito uma acarinhada missão ideológica. A Blackwater citou insistentemente a afirmação de Rumsfeld de que os contratados são parte da "Força Total" como prova de que é uma parte legítima da "capacidade de combate" da nação. Ao invocar as palavras de Rumsfeld, a empresa declarou de facto as sua forças acima da lei – gozando da mesma imunidade que os militares têm perante as leis civis, mas não limitados pelo sistema das cortes marciais a que os militares têm de se submeter. Enquanto as primeiras pesquisas sobre a Blackwater centravam-se no complexo labirinto das subcontratações secretas, debaixo das quais esta empresa opera no Iraque, uma investigação mais profunda à companhia revela uma assustadora imagem de um exército privado com ligações políticas convertido na guarda pretoriana da administração Bush.

A ascensão da Blackwater

A Blackwater foi fundada em 1996 pelo cristão conservador e multimilionário ex-SEAL (Forças de elite da marinha norte-americana) Erik Prince – descendente de uma família rica de Michigan cujas generosas doações políticas ajudaram ao auge da direita religiosa e à revolução republicana de 1994. No momento de sua fundação, a empresa consistia essencialmente na fortuna privada de Prince e numa vasta propriedade de 5.000 acres [2.000 hectares] situada perto do Great Dismal Swamp en Moyock, Carolina do Norte. A sua visão foi "satisfazer antecipadamente a procura do governo por subcontratação de armamento e formação militar". Nos anos seguintes, Prince, a sua família e os seus aliados políticos encheram de dinheiro os cofres das campanhas republicanas, apoiando a tomada de controlo do Congresso e a ascensão de George W. Bush à presidência.

Embora a Blackwater obtivesse alguns contratos durante a era Clinton, que era favorável à privatização destes serviços, foi no entanto com a "guerra contra o terrorismo" que chegou o momento de glória da empresa. Quase do dia para a noite, depois do 11/Set, a empresa transformou-se no actor chave da guerra global. "Estou no negócio de formação militar desde há quatro anos e só agora comecei a ter uma pequena noção de quão seriamente as pessoas encaram os assuntos de segurança", disse Prince ao apresentador do noticiário da FOX, Bill O'Reilly pouco depois do 11/Set. "Agora o telefone não pára de tocar".

De todas estas chamadas, uma era da CIA que acabou por contratar a Blackwater para trabalhar no Afeganistão nas operações iniciais norte-americanas nesse país. Nos anos seguintes a empresa converteu-se num dos grandes beneficiários da "guerra contra o terrorismo", ganhando quase mil milhões de dólares em contratos, que se conheçam, com o governo, muitos deles sem concurso público. Em apenas uma década, Prince ampliou as instalações de Moyock para 7.000 acres [2833 há], fazendo dessas instalações a maior base militar privada do mundo. A Blackwater tem neste momento 2.300 pessoas repartidas por nove países, e mais 20 mil prontos para entrar em acção. Possui uma frota de mais de vinte aeronaves, incluindo helicópteros de combate, e uma divisão de inteligência própria, e está a construir aeronaves de reconhecimento e sistemas de sinalização de alvos.

Em 2005, e depois do furacão Katrina, a suas forças deslocaram-se para Nova Orleães cobrando ao governo federal 950 dólares por homem e por dia – chegando a atingir mais de 240 mil dólares por dia. No seu auge, a empresa chegou a ter cerca de 600 contratados distribuídos desde o Texas até ao Mississipi. Desde o Katrina que a Blackwater tem desenvolvido uma atitude agressiva na obtenção de contratos internos, abrindo uma nova divisão de operações nacionais. A Blackwater está a promover os seus produtos e serviços junto ao Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security ), e os seus representantes reuniram-se já com o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. A empresa solicitou a obtenção de licenças para operar em todos os estados costeiros norte-americanos, e está também a ampliar a sua presença no interior dos EUA com a abertura de novas instalações em Illinois e na Califórnia.

A Blackwater obteve o seu maior contrato do Departamento de Estado, que consistiu no fornecimento da segurança dos diplomatas e das instalações norte-americanas no Iraque. Esse contrato teve início em 2003, com um acordo fora de concurso de 21 milhões de dólares, para protecção do procônsul no Iraque, Paul Bremer. A Blackwater também forneceu a segurança dos embaixadores seguintes no Iraque, John Negroponte e Zalmay Khalilzad, assim como de outros diplomatas e funcionários do país ocupante. As suas forças protegeram mais de 90 delegações do Congresso no Iraque, incluindo a da sua actual presidente, Nancy Pelosi. De acordo com os últimos registros governamentais, a Blackwater facturou, desde Junho de 2004, 750 milhões de dólares só em contratos com o Departamento de Estado. Actualmente encontra-se envolvida numa intensa campanha de lobbying para que seja enviada a Darfur como força de paz privada. Em Outubro último, o presidente Bush levantou algumas sanções ao sul cristão do Sudão, preparando assim o terreno para uma potencial missão de paz a desenvolver nessa zona pelas forças militares da Blackwater. Em Janeiro o representante do governo regional do sul do Sudão, em Washington, disse esperar que em breve a Blackwater iniciasse a formação das forças de segurança sulistas daquele país.

A Blackwater contratou desde o 11/Set, como executivos seniores, alguns altos funcionários possuidores de bons contactos na administração Bush. Entre eles encontra-se J. Cofer Black, antigo chefe do contraterrorismo da CIA e o homem que levou a cabo a caça a Osama Bin Laden depois do 11/Set, e ainda Joseph Schmitz, antigo Inspector Geral do Pentágono, responsável pelos acordos com as empresas privadas de segurança, entre eles a Blackwater, durante a maior parte da "guerra contra o terrorismo" – algo de que foi acusado de o não ter feito eficazmente. Já no final da gestão de Schmitz no Pentágono, o poderoso senador republicano Charles Grassley lançou uma investigação do Congresso para averiguar se Schmitz tinha "abafado ou redirecionado duas investigações criminais em curso" sobre altos cargos da administração Bush. Vendo-se debaixo de fogo cruzado de ambos os partidos, Schmitz demitiu-se e entrou na Blackwater.

Apesar de ter desempenhado um papel central, a Blackwater esteve, de uma forma geral, a operar na sombra até 31 de Março de 2004, precisamente quando quatro dos seus soldados privados, em acção no Iraque, foram emboscados e mortos na cidade de Faluja. Os cadáveres foram queimados por uma multidão que os arrastou pelas ruas, pendurando dois deles numa ponte sobre o Eufrates. Este foi o momento que, sob muitos aspectos, alterou o rumo da guerra no Iraque. Alguns dias após estes acontecimentos, as tropas norte-americanas assaltaram Faluja, matando centenas de pessoas e deslocando milhares, exacerbando assim a feroz resistência iraquiana que assombra as forças de ocupação até aos dias de hoje. Para muitos americanos esta foi a primeira vez que ouviram falar dos soldados privados. "As pessoas começam a perceber que se tratava de um fenómeno alargado", comentou o congressista David Price, um democrata de Carolina do Norte, que disse ter começado a seguir o rasto das contratadas privadas depois dos acontecimentos de Faluja. "Provavelmente sou como a maioria dos membros do Congresso que apenas começaram a ter consciência e interesse por este assunto" após este incidente.

O que não é do conhecimento geral é que, depois dos acontecimentos de Faluja, os executivos da Blackwater puseram mãos à obra em Washington, no sentido de capitalizar o recente reconhecimento da sua empresa. Um dia após a emboscada, esses executivos contrataram a Alexander Strategy Group, uma empresa de lobbying dirigida por altos funcionários do então líder da maioria republicana Tom DeLay, antes do desmembrar desta empresa no auge do escândalo de Jack Abramoff. Uma semana após a emboscada, Erik Prince sentava-se com pelo menos quatro membros do Comité do Senado para os Serviços Armados (Senate Armed Services Committe), entre os quais se encontrava o presidente desta comissão, John Warner. O senador Rick Santorum preparou o encontro em que, para além de Warner, participavam também outros dois importantes senadores republicanos – o presidente da Comissão Orçamental (Appropriations Committee) Ted Stevens, do Alasca, e George Allen de Virgínia. Esta reunião surgiu após uma série de anteriores contactos frente a frente que Prince promoveu com poderosos representantes republicanos que tinham estado na supervisão dos contratos militares, entre os quais DeLay; Porter Gross, presidente da Comissão da Inteligência da Câmara (House Intelligence Committee) e futuro director da CIA; Duncan Hunter, presidente da Comissão da Câmara para os Serviços Armados (House Armed Services Committee); e Bill Young, presidente da Comissão Orçamental da Câmara (House Appropriations Committee). O que se discutiu nessas reuniões permanece secreto, mas a Blackwater estava claramente a posicionar-se a fim de obter o máximo da sua nova fama. De facto, dois meses depois destes contactos, a Blackwater obteve do governo um dos maiores contratos de segurança internacional, avaliado em mais de 300 milhões de dólares.

Além disso, a empresa estava igualmente muito interessada em ter um papel determinante na configuração das regras que iriam regular os mercenários contratados pelos EUA. "Devido aos acontecimentos públicos de 31 de Março, a necessidade da Blackwater de ter alguma visibilidade e de transmitir uma mensagem consistente aqui em Washington, aumentou", comentou o novo enviado da Blackwater, Chris Bertelli. "Existem agora vários regulamentos federais que se aplicam às suas actividades, embora sejam de natureza muito geral. Falta criar um modelo padrão para este sector, e é precisamente nisto que na realidade queremos participar". No mês de Maio seguinte, a Blackwater liderava já um grande esforço de pressão política da indústria militar privada para conseguir travar as iniciativas do Congresso e do Pentágono que visavam colocar as suas forças sob a lei marcial do sistema judicial militar.

Mas enquanto a Blackwater gozava do seu novo estatuto de herói na "guerra contra o terrorismo", tanto na administração de Bush como no Congresso controlado pelos republicanos, as famílias dos quatro homens mortos em Faluja afirmavam que estavam a ser impedidas pela Blackwater de tentar esclarecer as circunstancias em que morreram os seus familiares. Depois do que descreveram como sendo meses de esforços para receber uma resposta directa da empresa, em Janeiro de 2005, as famílias apresentaram uma denuncia por "morte injustificada" contra a Blackwater, acusando a empresa de não fornecer aos seus homens aquilo que diziam ser "condições de segurança contratuais". Do conjunto das acusações afirmava-se que naquele dia a empresa enviou-os numa missão a Faluja com menos dois homens, com pior armamento do que deviam ter, e em jeeps Pajero ao invés de veículos blindados. Este caso poderá ter amplas repercussões pelo que está a ser seguido de perto pelo sector das empresas contratadas de guerra – uma antiga subsidiária de Halliburton, a KBR, apresentou inclusivamente um " amicus brief " (uma alegação a favor de uma das partes) apoiando a Blackwater. Se a acusação tiver êxito, poderá abrir caminho a um cenário equivalente ao das denúncias sobre a indústria tabaqueira, em que as empresas contratadas de guerra ficarão sujeitas a acusações judiciais dos seus trabalhadores feridos ou mortos em zonas de guerra.

À medida que o caso se foi desenvolvendo judicialmente, a Blackwater contratou advogados da elite republicana para a sua defesa, entre os quais Fred Fielding que recentemente foi nomeado por Bush como conselheiro da Casa Branca (substituindo Harriet Miers), e Kenneth Starr, antigo auditor geral da Whitewater que investigou o presidente Clinton e actual advogado dessa empresa. A Blackwater não recusou formalmente as denúncias específicas da acusação, mas o que se depreende da posição expressa pela defesa é o recurso a um conjunto de argumentos legais, estruturados no sentido de reforçar aquilo que sustenta a Blackwater e que é, essencialmente, estar acima da lei. A Blackwater afirma que se os tribunais norte-americanos permitirem que a empresa seja acusada por "morte injustificada", isso poderia pôr em perigo a capacidade de combate da nação: "nada poderia ser mais nocivo para o conceito de Força Total, subjacente à doutrina militar dos EUA, do que expor os seus componentes privados aos sistemas de sancionamento de responsabilidades de cinquenta estados diferentes, a serem aplicados em campos de batalha no estrangeiro", argumentava a empresa nos seus documentos legais. Em Fevereiro a Blackwater sofreu uma importante derrota quando o Tribunal Supremo recusou a sua apelação para julgar o caso Faluja, deixando livre o caminho para um processo estatal – onde será mais difícil encobrir aos jurados os danos da sua actividade.

O Congresso começou a mostrar interesse por este caso potencialmente desestabilizador. A 7 de Fevereiro o deputado Henry Waxman presidiu às audiências da Comissão de Supervisão das Reformas do Governo (Oversight and Government Reform Committee). Se bem que as audiências estivessem previstas para tratar da dependência dos EUA de empresas privadas de segurança, acabaram por se centrar quase exclusivamente na Blackwater e no incidente de Faluja. Pela primeira vez, a Blackwater viu-se obrigada a enfrentar as famílias dos homens mortos em Faluja. "As contratadas privadas como a Blackwater trabalham fora do alcance da cadeia hierárquica militar e podem fazer literalmente o que lhes apetecer sem que lhes seja atribuída qualquer responsabilidade ou que tenham de prestar contas ao governo norte-americano", disse à comissão Katy Helvenston, mãe de Scott, um dos contratados da Blackwater assassinados. "Deste modo, a Blackwater pode continuar a obter do governo centenas de milhões de dólares pagos pelos contribuintes sem se sentir obrigada a responder sequer a uma única pergunta sobre os operadores de segurança".

Refugiando-se no processo em curso, o conselheiro geral da Blackwater, Andrew Howell, declinou responder à maioria das acusações imputadas à sua empresa pelas famílias, e pediu várias vezes que a comissão desenvolvesse os trabalhos à porta fechada. "Todos os homens da missão de 31 de Março tinha armamento e munições suficientes", disse Howell perante a comissão, acrescentando que os seus homens usavam veículos "apropriados". Isto foi vigorosamente questionado pelas famílias dos quatro homens, que argumentaram por sua vez que a Blackwater não lhes facultou veículos blindados para economizar um milhão e meio de dólares. "A partir do momento em que os homens assinaram contrato com a Blackwater e foram enviados para o Médio Oriente, a Blackwater tratou-os como se fossem bens descartáveis", disse Helvenston aos deputados da comissão durante o seu emocionado testemunho em representação das quatro famílias.

O que colocou este caso sob a mira de Waxman foi a teia dos subcontratos que estão na base da missão de Faluja. Desde Novembro de 2004 que Waxman esteve a averiguar para quem estavam realmente a trabalhar os homens da Blackwater no dia da emboscada. "Durante quase dezoito meses, o Departamento de Defesa não respondeu à minha solicitação de informação", comentou Waxman. "Quando no passado mês de Julho finalmente respondeu, nem sequer me proporcionou os dados que pedi. Na verdade, negou que as empresas privadas de segurança desenvolvessem qualquer trabalho no âmbito do programa de contratações do Pentágono. Agora sabemos que não é verdade". A luta de Waxman para seguir o rasto do dinheiro deste contracto em concreto, que implica poderosas contratadas como a KBR, ilustra bem o secretismo que envolve a própria natureza da indústria das contratadas de guerra.

O que não oferece dúvidas no incidente de Faluja é que a Blackwater estava a trabalhar para uma empresa kuwaitiana chamada Regency, sob um contrato com a maior empresa de serviços de alimentação do mundo, Eurest Support Services. No Iraque a ESS é uma subcontratada da KBR e de outra enorme empresa contratada de guerra, a Fluor, sob o programa de contratos da LOGCAP do Pentágono. Um contrato que suportava a missão da Blackwater em Faluja revelava que essa missão era um subcontrato que tinha como contratada original a KBR. No verão passado a KBR negou isso. Depois a ESS escreveu a Waxman para dizer que a missão estava suportada pelo contrato da Fluor com a ESS. A Fluor negou, e o Pentágono disse a Waxman que não sabia a que empresa, afinal de contas, pertencia a missão. Waxman afirmava que a Blackwater e as outras subcontratadas estavam "a acrescentar margens significativas" aos seus subcontratos pelos mesmos serviços de segurança e que portanto, segundo ele, eram cobradas aos contribuintes norte-americanos. "É surpreendente como é tão turvo o mundo das contratadas e subcontratadas, não permitindo que cheguemos ao fundo deste assunto, e muito menos que possamos calcular os milhões de dólares perdidos pelos contribuintes em cada fase do processo de subcontratação", comentou Waxman.

Apesar de parecer, durante quase toda a audiência de 7 de Fevereiro, que a origem do contrato continuava por esclarecer, no final da audiência a situação veio a mudar quando o Pentágono revelou que a empresa contratada original era de facto a KBR. Violando as directrizes militares, que são contrárias à prática dos contratantes da LOGCAP que usam as forças de segurança privadas em lugar de tropas norte-americanas, a KBR tinha afinal subcontratado aquela missão à ESS com a protecção da Blackwater; esses custos foram supostamente suportados pelos contribuintes pela quantia de 19,6 milhões de dólares. A Blackwater disse que facturou à ESS 2,3 milhões de dólares pelos seus serviços, o que significa que uma margem de mais de 17 milhões de dólares foi no final acrescida nos valores apresentados ao governo. Três semanas depois da audiência, a KBR disse aos seus accionistas que poderia ser obrigada a devolver até 400 milhões de dólares ao governo como consequência de uma investigação em curso no exército.

Waxman esperou mais de dois anos para obter a resposta a uma pergunta simples: os contribuintes estavam a pagar os serviços de quem? Mas, como se pode concluir do incidente de Faluja, a questão não envolvia apenas dinheiro. Envolvia também vidas humanas.

Um homicídio na noite de Natal

Ainda que muita da publicidade conseguida pela Blackwater se deva ao incidente de Faluja, outro incidente mais recente está a atrair de novo as atenções gerais. Na noite de Natal e no interior da altamente fortificada Zona Verde em Bagdade, um contratado americano da Blackwater, supostamente, disparou e matou um guarda-costas iraquiano que se encontrava em serviço de protecção a um alto funcionário iraquiano. Após o tiroteio e durante várias semanas, circularam na Internet relatórios não confirmados sugerindo que o álcool estava na origem do incidente e que a vítima fora baleada dez vezes no peito. A história logo se complicou com o desaparecimento do contratado do Iraque antes que pudesse ser processado. As investigações dos meios de comunicação não chegaram a qualquer conclusão – a embaixada norte-americana negou-se a confirmar se se tratava de um contratado da Blackwater, e a empresa recusou fazer qualquer comentário.

O incidente chegou então à audiência de 7 de Fevereiro do Congresso. Quando a sessão estava prestes a terminar, o congressista Kucinich irrompeu de novo na sala com o que disse ser a sua última pergunta. Introduziu uma notícia sobre este incidente na acta e perguntou ao advogado da Blackwater, Howell, se a empresa tinha retirado o contratado do Iraque depois do suposto tiroteio. "Esse senhor, no dia em que se deu o incidente, não estava em serviço", disse Howell, naquilo que foi a primeira confirmação oficial do incidente por parte da Blackwater. "A Blackwater transportou-o de regresso aos EUA".

"Ele vai ser extraditado para o Iraque por homicídio? E se não, porquê?" perguntou Kucinich.

"Sr congressista, eu não faço cumprir a lei. Tudo o que posso dizer é que está a decorrer um investigação. Estamos a dar toda a cooperação e todo o apoio a essa investigação" respondeu Howell.

Então Kucinich disse: "Quero apenas manifestar que existem dúvidas que poderiam de facto trazer os responsáveis da Blackwater aqui por terem fretado um voo que permitiu a alguém que cometeu um homicídio fugir à justiça ".

A guerra em Capitol Hill

O Congresso está a estudar várias propostas de lei no sentido de aumentar a supervisão e a transparência das forças privadas que se posicionaram como actores principais nas guerras do período pós 11/Set. Em meados de Fevereiro os senadores Byron Dorgan, Patrick Leahy e John Kerry, propuseram legislação destinada a atacar energicamente os contratos adjudicados sem concurso prévio ou por "amizades", prevendo penas até vinte anos de prisão e multas até um milhão de dólares, com o objectivo de perseguir a actividade que classificam de "lucrar com a guerra". Estas acções fazem parte daquilo a que os democratas descrevem como uma estratégia multi-facetada. "Creio que existe agora massa crítica entre aqueles que no Congresso estão a estudar este tema", afirmou o congressista Price, representante do estado originário da Blackwater. Em Janeiro, Price propôs legislação que ampliava a Lei sobre a Jurisdição Militar Extraterritorial (Militar Extraterritorial Jurisdiction Act de 2000), conhecida como MEJA, no sentido de nela incluir todos os contratados em zona de guerra, e não apenas aqueles que trabalham com, ou para, as forças armadas. A maior parte do trabalho da Blackwater no Iraque, por exemplo, é devido a contratos do Departamento de Estado. Price considerou que o suposto tiroteio da noite de Natal poderia ser um dos casos teste da sua legislação. "Vou seguir de perto este assunto e solicitarei uma investigação completa", disse.

Mas existe pelo menos uma razão para se ser cauteloso nesta abordagem: é que o gabinete de Price consultou o lobby militar privado enquanto se preparava a nova legislação, a qual tem o apoio do dito sector. Talvez seja por isso que a MEJA, em grande parte, não tenha sido implementada. "Inclusivamente nas situações em que as leis civis americanas poderiam potencialmente ser aplicadas aos crimes dos contratados, ela não as aplica", observa P.W. Singer, um dos principais investigadores sobre as contratadas. Se os promotores públicos americanos já não possuem recursos suficientes para os seus próprios distritos, como se pode esperar que conduzam complexas investigações no Iraque? Quem protegerá esses promotores e investigadores? Como irão entrevistar as vítimas iraquianas? Como irão poder controlar 100 mil indivíduos espalhados numa ampla e perigosa zona de guerra? "É realmente uma boa pergunta", concorda Price. "Não digo que vá ser uma tarefa simples". O que Price sustenta é que a sua legislação tem a intenção de "colocar todo o conjunto de negócios das empresas privadas de segurança sob um novo equilíbrio de responsabilidades".

No passado Outono e mudando totalmente de rumo – para grande desespero e consternação do sector empresas privadas de segurança – o senador republicano Lindsey Graham, um advogado e antigo juiz da Força Aérea na reserva, alterou discretamente o texto da Defense Authorization de 2007, que Bush veio a assinar como lei, colocando todos os contratados sob o Código Uniforme de Justiça Militar (Uniform Code of Military Justice, UCJM) conhecido vulgarmente como o sistema de justiça marcial. Graham implementou a mudança sem debate público e sem que quase ninguém no Congresso estivesse ao corrente deste assunto, de tal modo que as empresas privadas de segurança questionaram imediatamente a sua constitucionalidade. De facto, este poderia ser um daqueles raros episódios em que mercenários e defensores dos direitos civis estão do mesmo lado da barricada. Muitos dos contratados não são combatentes armados, trabalhando no sector alimentar, na lavandaria e noutros serviços de apoio. Apesar de se poder argumentar que os contratados armados, como os que trabalham para a Blackwater, deveriam estar sob o UCJM, as mudanças introduzidas por Graham poderiam levar a que um lavador de pratos do Nepal que trabalha para a KBR pudesse ser processado da mesma forma que um soldado americano. E a agravante é que, para além disto tudo, os militares já têm problemas bastantes com a gestão das suas forças, pelo que dificilmente se poderá esperar que venham a controlar também um corpo de pessoal privado de 100 mil novos integrantes. Além disso, muitos são os contratados no Iraque que estão ali sob os auspícios do Departamento de Estado e de outras agências civis, isto é, instituições não militares.

Com a intenção de clarificar estes assuntos, o senador Barack Obama apresentou em Fevereiro uma nova e ampla legislação, onde se exigem regras claras para que os contratados armados possam entrar em combate, alargando o âmbito do MEJA e permitindo ao Departamento de Defesa "prender e deter" os contratados suspeitos de algum crime com o objectivo de os colocar à disposição das autoridades civis para dar seguimento ao processo de acusação. Também requer ao Departamento de Justiça a elaboração de um relatório completo das investigações em curso sobre os abusos dos contratados, do número de queixas recebidas sobre os contratados e dos casos criminais abertos. Em declarações a The Nation, Obama disse que empresas privadas de segurança estão "a operar sob directrizes de autoridade pouco claras, com custos fora do controlo, e virtualmente, sem supervisão do Congresso. Este buraco negro de responsabilidades aumenta o perigo para as nossas tropas e para os civis americanos que trabalham como contratados". Disse que a sua legislação "restabeleceria o controlo destas empresas" e "poria os contratados sob o primado da lei".

O congressista democrata Jan Schakowsky, membro da Comissão de Inteligência da Câmara, foi um dos pioneiros a criticar o sistema de contratações na guerra. A sua Lei para a Clarificação dos Contratos no Iraque e Afeganistão (Iraq and Afghanistan Contractor Sunshine Act ), apresentada em Fevereiro e que reforça a legislação de Obama, reduz-se no que Schakowsky considera ser uma tarefa exaustiva de procura de evidencias na opaca burocracia dos contratos. Entre outras disposições, exige ao governo que identifique e faça publico: o número de contratados e subcontratados (a todos os níveis) que estão a trabalhar no Iraque e Afeganistão; as leis norte-americanas, internacionais e dos países onde eles operem, que tenham sido violadas pelos contratados; as acções disciplinares que tenham sido movidas contra os contratados; e o número total de contratados mortos ou feridos. Schakowsky afirma que durante os últimos anos tentou insistentemente obter essa informação e foi repetidamente dificultado ou ignorado. "Estamos a falar de milhares e milhares de milhões de dólares – algumas estimativas indicam que quarenta por cento dos gastos com a ocupação vai parar às mãos das contratadas e, apesar de disso, não pudemos obter qualquer informação sobre baixas, sobre mortes" disse Schakowsky. "Foi virtualmente impossível aclarar este aspecto da guerra, de modo que quando abordamos temas sobre a guerra, tais como a sua extensão, os seus custos, os seus riscos, não temos tido em linha de conta a questão das empresas privadas de segurança. Não sabemos quase nada de toda esta força na sombra que tem estado a operar no Iraque. Penso que o povo americano está muito distante do que realmente se passa nesta guerra".

Embora não exista um número exacto para a totalidade de baixas entre os contratados, foram no entanto confirmados pelo Departamento de Trabalho 770 mortos e 7.761 feridos no Iraque até 31 de Dezembro de 2006. Porém, este valor contabiliza tão só os contratados cujas famílias solicitaram indemnizações a coberto do seguro da Lei Base da Defesa (Defence Base Act), pois analistas independentes sustentam que o valor pode ser muito superior. Só a Blackwater perdeu no mínimo vinte e sete homens no Iraque. E para além deste aspecto existe o custo financeiro: quase quatro mil milhões de dólares dos contribuintes foram gastos em forças de segurança privadas no Iraque, segundo Waxman. Ainda assim, mesmo com todas estas forças adicionais, os militares encontram-se em dificuldades para satisfazer as pretensões de uma Casa Branca empenhada no aventureirismo militar.

Uma semana depois de Rumsfeld deixar o Pentágono, e porque as forças norte-americanas haviam sido levadas ao limite pela "guerra ao terrori", o anterior secretario de Estado Colin Powell, foi levado a afirmar que "as forças armadas no activo estão prestes a desmoronarem-se". Em lugar de repensar a sua política externa, a administração dos EUA opta por uma fuga para a frente com planos de uma nova "onda" de tropas no Iraque, assim como de um plano para reforço das forças armadas com a utilização de um Corpo Civil de Reserva apresentado em Janeiro por Bush no seu discurso do estado da nação. "Este corpo funcionaria de forma idêntica à nossa reserva militar. Reduziria a carga das forças armadas ao permitir contratar civis com conhecimentos adequados para servir em missões no estrangeiro sempre que os EUA necessitem desses civis", disse Bush. Parecia que o presidente estava apenas a dar um novo e complicado nome para o que já tinha sido feito com a sua "revolução" nos assuntos militares e com a dependência sem precedentes dos EUA de empresas privadas de segurança. E no entanto, enquanto a proposta de Bush para a ampliação de tropas provocou um feroz combate político no Congresso e entre o público em geral, a crescente dependência da administração dos EUA de empresas privadas de segurança, ficou praticamente sem ser debatida e foi muito pouco difundida.

"O uso crescente de contratados, forças privadas ou, como alguns diriam, de mercenários, torna as guerras mais fáceis de iniciar e de combater – apenas é necessário dinheiro, e dispensa a cidadania", disse Michael Ratner, presidente do Centro para os Direitos Constitucionais (Center for Constitutional Rights) que processou empresas privadas de segurança por supostos abusos no Iraque. "Quando se pede a um povo que vá para a guerra, surge sempre uma certa resistência, e que é indispensável para impedir guerras de auto-engrandecimento, guerras estúpidas e, no caso dos EUA, guerras pela hegemonia imperialista. As forças privadas são quase uma necessidade para uns EUA desejosos de evitar o declínio do seu império".

Enquanto se fala de um Corpo Civil de Reserva e a Blackwater promove a ideia de uma "brigada de contratados" privada que trabalharia com o exército, os críticos da guerra no Congresso estão a voltar a sua atenção para o que consideram uma não debatida escalada contínua do uso de forças privadas. "Uma nova onda implica um aumento para o qual haverá limites" disse Schakowsky. "Ter um terço ou um quarto do total das forças presentes no terreno, sem que isso tenha sido alvo de debate, é algo muito perigoso para a nossa democracia, porque a guerra é a coisa mais crítica que estamos a fazer".

O que está a acontecer é que as mortes dos contratados não estão a ser consideradas no total de mortes de norte-americanos, nem os seus crimes e violações são documentados, ficando por isso impunes, e ainda por cima estão a esconder os verdadeiros custos da guerra. "Quando são utilizados contratados aos quais não se aplica a lei, a Convenção de Genebra, as noções comuns de moralidade, tudo isso é atirado pela janela fora" disse Kucinich. "O que isto significa é que esses contratados privados são na realidade um dos braços executores da administração dos EUA e das suas políticas".

Kucinich afirma que pretende investigar até que ponto as forças privadas estão envolvidas naquilo que é chamado de "Black bag", "false flag", ou operações encobertas no Iraque. "Mas qual é a diferença entre as operações encobertas e as chamadas operações abertas sobre as quais não se tem qualquer informação? Nenhuma". Kucinich também insiste em que os problemas com as contratadas não são apenas de transparência e supervisão. "Trata-se da privatização da guerra", disse. A administração dos EUA está "a ligar os lucros dos empreiteiros privados da segurança com a feitura da guerra. Assim, estamos a dar incentivos para os empreiteiros fazerem lobby junto à administração e o Congresso a fim de criar mais oportunidades de lucros, e tais oportunidades significam mais guerra. É por isto que o papel das empresas privadas de segurança deveria ser drasticamente limitado pelo Congresso".

[*] Jornalista independente, colaborador de Democracy Now ! . Cobriu o Iraque e a Jugoslávia. O presente texto é um excerto do seu livro "Blackwater: A ascensão do exercito mercenário mais poderoso do mundo" (Blackwater: The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army) .



Trecho do Livro: Blackwater – A Ascensão do Exército Mercenário Mais Poderoso do Mundo | Jeremy Scahill

Promovendo um massacre

O mundo era um lugar muito diferente em 10 de setembro de 2001, quando Donald Rumsfeld subiu ao pódio do Pentágono para fazer um de seus primeiros longos discursos como secretário da Defesa do presidente George W. Bush. Para a maioria dos americanos, a Al Qaeda não existia, e Saddam Hussein ainda era o presidente do Iraque. Rumsfeld já havia ocupado aquele cargo uma vez — sob o presidente Gerald Ford, entre 1975 e 1977 —, mas voltara ao posto em 2001 com idéias ambiciosas. Naquele dia de setembro do primeiro ano da administração Bush, Rumsfeld dirigiu-se aos funcionários do Pentágono encarregados de supervisionar os altos negócios dos contratos de defesa — gerenciando as Halliburtons, DynCorps e Bechtels. O secretário estava diante de um ruidoso grupo de ex-executivos da Enron, Northrop Grumman, General Dynamics e Aerospace Corporation — gente que ele havia inserido como seus altos delegados no Departamento de Defesa — e fez uma verdadeira declaração de guerra.

“O assunto de hoje é um adversário que representa uma ameaça, uma séria ameaça à segurança dos Estados Unidos da América”, trovejou Rumsfeld. “Esse adversário é um dos últimos bastiões do planejamento central no mundo de hoje. Seu governo se faz com base em planos qüinqüenais. De uma única capital, ele tenta impor suas exigências por meio de fusos horários, continentes, oceanos e mais além. Com brutal coerência, sufoca o pensamento livre e esmaga novas idéias. Desorganiza a defesa dos Estados Unidos e põe em risco as vidas de homens e mulheres de uniforme.” Fazendo uma breve pausa em prol do efeito dramático, Rumsfeld — ele próprio um veterano da Guerra Fria — disse então a sua nova equipe: “Talvez esse adversário lembre a antiga União Soviética, mas ela é um inimigo que não existe mais: hoje, nossos inimigos são mais sutis e implacáveis. Talvez vocês imaginem que eu esteja descrevendo um dos últimos ditadores decrépitos do mundo. Mas os dias desses ditadores também estão quase terminados, e eles não são páreo para a força e o tamanho do adversário a que me refiro. Esse adversário está mais perto de casa. É a burocracia do Pentágono.” Rumsfeld estava propondo uma mudança geral na administração do Pentágono, a substituição da velha burocracia do Departamento de Defesa por um novo modelo, baseado no setor privado. O problema, explicou ele, era que, diferentemente dos negócios, “os governos não podem morrer; por isso, precisamos encontrar outros incentivos que façam a burocracia se adaptar e melhorar”. O que estava em jogo, declarou, era assustador — “uma questão de vida e morte, em última instância, para todos os americanos”. Naquele dia, Rumsfeld anunciou uma grande iniciativa para modernizar a capacidade de intervenção do setor privado nas guerras empreendidas pelos Estados Unidos, e previu que sua iniciativa encontraria feroz resistência. “Alguns poderão perguntar: ‘Como pode o secretário de Defesa atacar o Pentágono diante de seus próprios funcionários?’”, continuou Rumsfeld, dirigindo-se a sua platéia. “A esses, respondo que não tenho intenção de atacar o Pentágono; quero libertá-lo. Nós precisamos salvar esta instituição de si mesma.”

Na manhã seguinte, o Pentágono seria literalmente atacado, quando o vôo 77 da American Airlines — um Boeing 757 — chocou-se contra sua face oeste. Rumsfeld ficaria famoso por ajudar a resgatar corpos dos escombros. Mas não demoraria muito para que ele, o grande mestre do militarismo, aproveitasse a quase inimaginável oportunidade oferecida pelo 11 de setembro para acelerar sua guerra pessoal, exposta apenas um dia antes. O mundo havia mudado de maneira irreversível, e num instante o futuro da mais poderosa força militar do planeta se tornara uma tela em branco, na qual Rumsfeld e seus aliados poderiam pintar sua obra-prima. A nova política do Pentágono dependeria muito do setor privado, daria ênfase a operações secretas, a sofisticados sistemas de armamentos e ao grande uso de forças especiais e de prestadores de serviço. Isso ficou conhecido como a Doutrina Rumsfeld. “Precisamos promover uma abordagem mais empresarial: uma abordagem que incentive as pessoas à pronta ação, e não à reação, e a se comportarem menos como burocratas e mais como capitalistas empreendedores”, escreveu Rumsfeld, no verão de 2002, num artigo para a revista Foreign Affairs intitulado “Transformando os militares”. A abordagem “minimalista” de Rumsfeld abriu a porta para uma das mais significativas tranformações na guerra moderna — o amplo uso de prestadores de serviço, ou contratados, em todos os aspectos da guerra, inclusive em combate.

Entre os que logo receberam chamados da administração para se juntar a uma “guerra global ao terror”, a ser lutada de acordo com a Doutrina Rumsfeld, havia uma companhia pouco conhecida que funcionava em um campo particular de treinamento militar perto de Great Dismal Swamp, um pântano da Carolina do Norte. Seu nome era Blackwater USA. Depois da grande tragédia do 11 de setembro, praticamente da noite para o dia uma empresa que mal existia até poucos anos antes se tornaria peça central na guerra global desencadeada pelo império mais poderoso da história. “Trabalho no ramo de treinamento há quatro anos e estava começando a ficar um pouco cínico quanto à seriedade com que as pessoas encaram a segurança”, disse o proprietário da Blackwater, Erik Prince, ao entrevistador da Fox News, Bill O’Reilly, pouco depois do 11 de setembro. “Agora, meu telefone não pára de tocar.”

Mas a história da Blackwater não começa no 11 de setembro, nem com seus executivos ou mesmo com sua fundação. De certa forma, ela resume a história da guerra moderna. Em essência, a Blackwater é o coroamento da obra de uma vida inteira daqueles que formaram o cerne da equipe de guerra da administração Bush.

Durante a Guerra do Golfo, em 1991, Dick Cheney — grande aliado de Rumsfeld — era secretário da Defesa. Na época, dez por cento das pessoas posicionadas na zona de guerra estava ali por força de um contrato privado, uma porcentagem que Cheney tinha o firme propósito de aumentar. Antes de deixar o cargo, em 1993, ele encomendou um estudo a uma companhia que acabaria por dirigir: a Halliburton. Tratava-se de um estudo sobre como privatizar rapidamente a burocracia militar. Quase da noite para o dia, a Halliburton criaria sozinha uma indústria de prestação de serviços militares aos Estados Unidos no exterior, com um potencial de lucros aparentemente infinito. Quanto mais agressivamente os Estados Unidos expandissem seu alcance militar, melhor para os negócios da Halliburton. Era um protótipo para o futuro. Nos oito anos seguintes do governo Bill Clinton, Cheney trabalhou no American Enterprise Institute, influente grupo neoconservador de pesquisas interdisciplinares que liderou a investida por uma aceleração no processo de privatização do governo e das Forças Armadas norte-americanas. Por volta de 1995, Cheney estava no comando da divisão da Halliburton que se tornaria o maior prestador de serviços de defesa aos Estados Unidos. O presidente Clinton apoiou em grande parte esses planos de privatização, e a empresa de Cheney — assim como outras prestadoras de serviços — fechou lucrativos contratos durante o conflito dos Bálcãs, nos anos 90, e na guerra do Kosovo, em 1999. Em meados da década de 90, uma empresa de consultoria militar baseada na Virgínia, a Professional Resources Incorporated, dirigida por graduados oficiais aposentados, foi autorizada pela administração Clinton a treinar tropas croatas para sua guerra separatista contra a Iugoslávia dominada pelos sérvios; um contrato que em última análise desequilibrou a balança naquele conflito. Esse contrato foi o prenúncio de um tipo de envolvimento do setor privado que se tornaria padrão na guerra ao terror. Mas a privatização foi apenas parte de um programa mais abrangente. Cheney e Rumsfeld foram membros-chave do Projeto para um Novo Século Americano (PNAC), iniciado em 1997 pelo ativista neoconservador William Kristol. O grupo fez pressão para que Clinton promovesse uma mudança de regime no Iraque, e seus princípios, que advogavam “uma política de força militar e clareza moral”, formariam as bases de grande parte da política externa da administração Bush.

Em setembro de 2000, apenas meses antes de seus membros passarem a integrar o núcleo central do governo Bush, o Projeto para um Novo Século Americano lançou um relatório chamado Rebuilding America’s Defenses: Strategy, Forces and Resources for a New Century (Reconstruindo as defesas dos Estados Unidos: estratégia, forças e recursos para um novo século). Ao expor a visão do PNAC sobre a revisão da máquina de guerra norte-americana, o relatório reconhecia que “o processo de transformação, ainda que portador de mudanças revolucionárias, provavelmente será longo, caso não haja algum evento catastrófico ou catalisador — como um novo Pearl Harbor”. Um ano depois, os ataques do 11 de setembro forneceriam o necessário catalisador: uma justificativa sem precedentes para o avanço desse programa radical, moldado por um pequeno núcleo de agentes neoconservadores que haviam acabado de assumir o poder oficial.

Paralelamente às guerras do período posterior ao 11 de setembro, desenrolou-se um subenredo freqüentemente ignorado: o da terceirização e da privatização que esses conflitos possibilitaram. Desde o momento em que a equipe de Bush tomou o poder, o Pentágono abarrotou-se de ideólogos como Paul Wolfowitz, Douglas Feith, Zalmay Khalilzad e Stephen Cambone, bem como de ex-executivos de grandes empresas — muitas delas grandes fabricantes de armamentos —, como o subsecretário de Defesa Pete Aldridge (Aerospace Corporation), o ministro do Exército Thomas White (Enron), o ministro da Marinha Gordon England (General Dynamics) e o ministro da Aeronáutica James Roche (Northrop Grumman). A nova liderança civil do Pentágono chegou ao poder com dois objetivos principais: a mudança de regime em nações estratégicas e a implementação da operação de privatização e terceirização mais abrangente da história militar dos Estados Unidos — uma revolução nos assuntos militares. Depois do 11 de setembro, essa campanha não pôde mais ser detida.

A rápida derrota do Talibã no Afeganistão revigorou Rumsfeld e o governo, o que possibilitou o planejamento da pedra angular da cruzada neoconservadora: o Iraque. Desde o primeiro momento em que as tropas dos Estados Unidos começaram a se agrupar, durante os preparativos para a invasão, o Pentágono fez dos contratos particulares parte integral das operações. Mesmo enquanto o país aparentava publicamente envidar esforços diplomáticos, a Halliburton se preparava, a portas fechadas, para a maior operação de sua história. Quando os tanques norte-americanos entraram em Bagdá, em março de 2003, transportavam com eles o maior exército de prestadores de serviços já empregado numa guerra. Ao final do mandato de Rumsfeld, estima-se que havia cerca de 100 mil contratados em território iraquiano — quase um para cada soldado norte-americano em ação. Para grande satisfação da indústria da guerra, antes de sair, Rumsfeld tomou a extraordinária medida de classificar esses prestadores de serviços como parte oficial da máquina de guerra dos Estados Unidos. Na Revisão Quadrienal do Pentágono de 2006, Rumsfeld esboçou o que chamou de um “guia para a mudança” no Departamento de Defesa, que afirmou ter começado em 2001. O documento definia a “Força Total do Departamento” como “os componentes militares ativos e da reserva, bem como os servidores civis e contratados — constitui[ndo] nosso efetivo e nossa capacidade de guerra. Membros da Força Total servem em milhares de lugares ao redor do mundo, desempenhando vasta gama de tarefas no cumprimento de missões críticas”.

Da maneira como foi feita, em meio a uma guerra global sem limites ou definição precisa, essa oficialização formal representou uma negação radical dos agourentos alertas lançados pelo presidente Eisenhower em sua mensagem de despedida à nação, décadas antes, advertindo para o que ele via como as “graves implicações” da ascensão do “complexo militar-industrial”. Em 1961, Eisenhower declarava: “O potencial para a ascensão desastrosa de um poder mal exercido existe e continuará existindo. Não devemos jamais permitir que o peso dessa combinação ponha em perigo nossas liberdades e nossos processos democráticos. Nada está garantido. Somente uma cidadania alerta e bem informada pode manter o entrosamento apropriado da grande maquinaria industrial e militar de defesa com nossos métodos e metas pacíficos, de tal forma que a segurança e a liberdade possam prosperar juntas”. O que se concretizou nos anos seguintes, e em especial na administração Bush, não foi nada menos do que o exato cenário que Eisenhower profetizara de forma sombria.

Embora a guerra ao terror e a ocupação do Iraque tenham dado origem a inúmeras empresas, poucas tiveram uma ascensão tão meteórica quanto a Blackwater ao poder, ao lucro e à proeminência — talvez nenhuma outra. Em menos de uma década, a Blackwater saiu de um pântano na Carolina do Norte para se tornar uma espécie de Guarda Pretoriana da “guerra global ao terror” movida pela administração Bush. Hoje, ela tem mais de 2,3 mil soldados particulares operando em nove países, inclusive dentro dos Estados Unidos. Mantém um banco de dados com 21 mil ex-agentes e soldados das Forças Especiais, além de policiais aposentados, que pode convocar a qualquer momento. A companhia tem também uma frota particular de mais de vinte aeronaves, incluindo-se aí helicópteros de combate e uma divisão de zepelins de reconhecimento. Seu quartel-general de 28 quilômetros quadrados em Moycock, na Carolina do Norte, é a maior instalação militar privada do mundo, treinando por ano dezenas de milhares de agentes da lei, locais ou federais, bem como soldados de países estrangeiros “amigos”. A Blackwater tem sua própria divisão de inteligência e conta, entre seus executivos, com ex-oficiais de inteligência e ex-militares graduados. Recentemente, iniciou-se a construção de novas instalações na Califórnia (“Blackwater West”) e em Illinois (“Blackwater North”), assim como de um campo de treinamento na selva filipina. A companhia possui mais de 500 milhões de dólares em contratos com o governo — e isso não inclui seu orçamento secreto de operações “clandestinas” para agências de inteligência dos Estados Unidos ou para empresas, indivíduos e governos estrangeiros. Como observou um congressista norte-americano, em termos estritamente militares, a Blackwater poderia depor muitos governos do mundo.

"ARTE" NA RUA # 110



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

domingo, 28 de agosto de 2011

sábado, 27 de agosto de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

SONZEIRA LEGAL!!! #14

IT'S LIKE SOUL MAN.

O Melhor Soul Atual
A dupla inglesa Smoove & Turrell lançam "Eccentric Audio" que é de longe o melhor álbum de Soul Music dos últimos tempos.
por Sérgio Scarpelli



Eles são ingleses e brancos mas isso são apenas detalhes. Ao ouvir "Eccentric Audio" , o segundo álbum da dupla Smoove & Turrell temos o melhor em termos de sonoridade negra da atualidade. Não é a toa que eles são chamados na Inglaterra como "Nu-Northern Soul Boys".

Smoove que na verdade se chama Berry Geordie é um produtor de mão cheia. Ele usa a eletrônica apenas como um meio de locomoção. Conhece música como poucos por isso cria arranjos atemporais inspirados no Soul, Hip Hop, Jazz e Rhythm & Blues.

John Turrell é um notável cantor. Tem um timbre diferente que chega até a beirar esquisito para a Soul Music. Mas que no final se encaixa perfeitamente. Classifico-o como um das melhores vozes Soul desta nova geração. Tanto que ele é sonho de consumo de muitos produtores

E os dois juntos tem uma química incrível. Desde o primeiro álbum onde eles arrebentaram tudo principalmente com a música "Beggarman" que já dava sinais claros de como a Soul Music deve se comportar diante das inovações da música Esse é o futuro sem dúvida.

Em "Eccentric Audio" eles lapidaram aquele tipo de som. Atenuaram um pouco os acordes eletrônicos e se concetraram em melodias belíssimas que tem resposta magnífica na voz de Turrel. A gente sente a Black Music dos Anos 70 mas sente nuances de Massive Attack também.

Ou seja, o som de Smoove & Turrell é original e criativo. Mesmo carregando elementos de muitas coisas que a gente já ouviu, ele traz aquele frescor de som novo. Fora que uns aninhos a mais nas costas fez bem a dupla que se apresenta mais focada no que quer passar.

O lançamento oficial de "Eccentric Soul" está agendado para o mês de junho. Mas já tive acesso as faixas e posso garantir que é o álbum Soul do ano. O primeiro single "Slow Down" que já está rolando por aí é a materialização de tudo isso que estou falando.

Outra detalhe brilhante do álbum é que Smoove & Turrell exploram também aquele Funky Disco que não acontecia antes. Faixas como "In Deep", "I Need A Change", "Broke" e principalmente "It's Falling In Love" que é a melhor do álbum, são um convite constante para a pista.

Outras faixas que são belíssimas são as baladas "Money", "Wasted Man" e "Don't Let It Go To Your Head". Ou seja, "Eccentric Audio" é tão bom e completo que merece até ser comprado na versão física. O título de melhor álbum do ano acaba de mudar de mãos.

Altamente recomendado!

E NAS RUAS... #6

"ARTE" NA RUA # 106


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SONZEIRA LEGAL!!! #13

QUIÇA CHULÉ.

NA VAZANTE DA INFOMARÉ



Esta é a íntegra da entrevista com Gilberto Gil publicada hoje em O Estado de S.Paulo. Por razões de espaço no papel, as entrevistas podem ser editadas, e alguma coisa importante se perde. Daí porque estou publicando tudo aqui.
Jotabê Medeiros

A temperatura caiu, mas o debate esquentou nos trópicos. Na semana passada, o cantor Gilberto Gil, de 69 anos, estrelou o primeiro festival youPIX, de cultura da internet, em São Paulo, “uma roda de conversa com esses meninos que operam no campo da cultura digital, da blogosfera”. O ex-ministro da Cultura volta à cidade nesta quarta, às 20h, para discutir criatividade, tecnologia e políticas públicas no Auditório Ibirapuera (ao lado de Lawrence Lessig, do Creative Commons, e Danilo Miranda, do Sesc São Paulo). Incansável, na quinta-feira, no Rio, ele debate com o filósofo tunisiano Pierre Lévy o conceito de cibercultura, no Oi Futuro, no Flamengo, às 19h30.
Gil diz que vai abordar, entre outras coisas, a “tentativa do meio econômico de reduzir a realidade do ciberespaço ao modelo anterior, e ao mesmo tempo os avanços provocados pelo uso libertário do ciberespaço”. Há uma expectativa de que Gil comente os rumos do Ministério da Cultura na gestão Ana de Hollanda, mas suas intenções são outras.
Não acho que esses encontros com o Pierre e o Lessig se devam à necessidade de discutir a questão brasileira. São encontros globais, internacionais. Claro que a questão brasileira entra, eles estão aqui, nós estamos no Brasil. Mas essas coisas são transnacionais, e as questões brasileiras são hoje comuns no mundo inteiro – o retrocesso na França sob o governo Sarkozy, as declarações do premiê inglês (David Cameron, que fala em censura na internet). Tudo parecido, tudo se parece com o projeto Azeredo (senador Eduardo Azeredo, do PSDB de MG, cuja lei pretende tipificar na legislação brasileira os crimes cibernéticos)”.

O mundo está agitado. Na Inglaterra, estão prevendo um regime de exceção dentro do ciberespaço...
Mas é essa possibilidade que a Lei Azeredo tenta garantir. É a mesma coisa. É a questão da troca da liberdade por facilidades, por conectividade. O sentido civil da importância do ciberespaço fica secundarizado, torna-se tudo utilitarista, a fruição utilitarista da tecnologia – aparelhos cada vez menores, mais baratos, mas cada vez com possibilidades mais restritivas. Os dois últimos artigos do Hermano Vianna em O Globo são muito interessantes, muito esclarecedores sobre o fechamento do interesse empresarial, produtivista, capitalista, imperialista, etc, sobre a dimensão libertária do ciberespaço. É um momento grave, importante. Porque, à sombra dessa árvore aprazível, da utilidade ciberespacial, está toda a questão da liberdade.
E há a dimensão política disso tudo.

Você teve um papel importante nesse debate como ministro da Cultura. Levou o debate para dentro do Estado brasileiro. E agora esse debate recrudesceu dentro do governo. Ou você não pensa assim?
Isso vai de personalidades. Eu pessoa, artista, ente criativo, tinha interesse em me colocar pessoalmente nessa discussão. Não colocava só o ministério, mas também meu empenho pessoal. É diferente da ministra de hoje. Ela não sou eu, ela é ela. Ao mesmo tempo, você tem coisas que têm crescido. Tem um comitê interministerial que discute a propriedade intelectual de um modo amplo, juntando o ministério da Ciência e Tecnologia, da Cultura, da Indústria e do Comércio. Que são desdobramentos positivos, importantes, são avanços dentro da própria estrutura do Estado. A questão avança. A própria presidente da República tem um interesse cada vez maior que essas coisas se desdobrem. Há retrocessos e há avanços, é sempre assim. Retrocesso em relação à ênfase com que as personalidades do governo se manifestam, mas ao mesmo tempo há por baixo a ativação, estruturação de processos que já vinham de outro momento, de outro governo. Muita coisa se passa à sombra, positivas e negativas. Tudo isso está em jogo dentro do Estado, fora do Estado. Essa coisa de ficar vendo “ah, o ministro tal”... . O jogo é muito maior, envolve todo mundo. Está todo mundo sendo levado por esse dilúvio, aquilo que o próprio Lévy chama de “as correntes turbilhonantes do novo dilúvio”. Estamos todos sendo levados, é um novo momento da cultura humana, mundial. O computador e o ciberespaço reeditam um potencial revolucionário que teve a criação da imprensa, o papel impresso. É como dizem os chineses: a humanidade ainda vai ter muito tempo para digerir, regurgitar toda essa coisa que ela própria criou a partir da ciência, do conhecimento. A vinda desses caras, como o Edgar Morin, o Lessig, o Manuel Castells, Daniel Cohn-Bendit. Eu conversei com o Cohn-Bendit, ele está interessado na fenomenologia da sociedade brasileira. Vem a Copa do Mundo aí, ele está interessado nesses fenômenos de inserção do Brasil na dimensão global, ele quer fazer um filme. Tá preocupado com o futebol brasileiro, de uma forma real, correta. Ele percebe uma estagnação no processo de modernização do futebol que o País impôs ao mundo décadas atrás. São vaivéns, fluxos e refluxos, maré baixa, maré alta. O Brasil tem que jogar um papel mais globalizado mesmo, em todos os sentidos, na gestão, na governança, na questão social – e seus processos criativos mais particulares também se põem a serviço desse global, e afetam a escola tropical de futebol. A ida de jogadores para o mundo inteiro, a seleção tendo de jogar dentro de um padrão cada vez mais universal, e o universal absorvendo elementos da particularidade brasileira. A seleção espanhola, por exemplo, jogando um futebol que é brasileiro num certo sentido. Esse momento da história da mundo é maiúsculo.

Acha ele comparável a algum outro momento histórico que tenhamos vivenciado?
Não. É muito particular. É muita novidade. É a ciência desembocando em situações ainda desconhecidas, novas. O social também, o político, a questão dos direitos. As universalidades, como o próprio Lévy diz, ou “as universalidades sem totalidade”. Isso é uma novidade. Porque as sociedades fechadas, num primeiro momento da cultura oral, viviam a totalidade sem universal, como ele diz. Num segundo estágio, imperialista, sendo usuárias da escrita, fizeram surgir o “universal totalizante”. E agora, com a cibercultura, e pós-ciência, a nanodimensão, a globalização concreta da sociedade, a inventam o universal sem totalidade. E isso é muito novo. E as reações são: o imperialismo, o capitalismo clássico, tendem a querer puxar tudo para o totalizante anterior, não querem saber dessa visão fragmentária, tudo como foi previsto em Suberbacana, do Caetano, “os estilhaços sobre Copacabana”. O tropicalismo é isso, o tropicalismo viu isso, especialmente Caetano, com sua inteligência agudíssima. Ele viu essas coisas todas, colocou isso na ação, na canção, e foi aquele pandemônio. O ciberespaço faz isso. A pós-modernidade é assustadora, ela vem chacoalhar a coisa toda. Então é muita reação.

Você, quando começou a aliar sua arte com sua posição política, ativista, começou também a aliar a reflexão teórica do mundo à ação, à atuação prática. Como o seu esforço de lançar sua obra completa em aplicativo para iPad e iPhone...
É a atualização do esforço que já vem sendo feito há pelo menos 20 anos, desde que eu inaugurei, fiz o primeiro site institucional de um artista. Coloquei no meu discurso a defesa e a apologia das grandes novidades. Isso vem desde Lunik 9 e Cérebro Eletrônico. Sempre fui apaixonado pela atualização.

E agora veio a Björk com o aplicativo dela, também uma atualização.
E o dela é lindo, não? É uma coisa. Já é uma escultura no ciberespaço, é uma instalação multidimensional, belíssima. Do ponto de vista estético, é um avanço extraordinário. Ela sempre foi assim. Tem uma visão estética, e ao mesmo tempo profunda, da cultura em geral.

E ao mesmo tempo, a gente vê alguns artistas de grande importância na cultura brasileira tentando tirar o atraso. É o caso do Chico Buarque. Ele surpreendeu você, não?
Bacana, bacana. Ele tá associado afetivamente a uma pessoa nova, uma menina (a cantora Thaís Gulin), que lida com essas coisas, trabalha nesse campo das novas linguagens. Ele foi estimulado por isso, e pelo próprio amor, não é (risos). Inteligente e culto como ele é, não ficou de fora. Caetano também, quando veio para trabalhar no ciberespaço, lançou o disco por meio do blog Obra em Progresso. É isso. A mim coube exatamente o papel de arauto, o que sai na frente tocando a corneta. Agora os meninos todos vêm.

A saída de Marina do Partido Verde. Ela catalisou uma vontade de uma parcela da população, e usou o PV para tentar a sua aventura. E agora ela saiu...
Ela acabou constatando que o PV ainda é, instrumentalmente, um partido desqualificado, sem ferramental moderno, sem quadros de personalidade, dirigentes e etc. Constatou o que eu já tinha constatado há muito tempo: o Partido Verde não dá, né, no Brasil? Nas mãos de quem ele ficou, não dá. É um partido sem elã, sem pacto, sem gosto pela defesa dos seus próprios postulados fundadores. Um partido que caiu numa esparrela, ficou ali, meio pequeno, meio bobinho.

E agora?
Agora não sei. Do ponto de vista de agremiação política, não sei como ela vai fazer, como vai trabalhar, se vai se empenhar pela criação de um novo partido, de uma nova possibilidade, ou se vai achar uma brecha num dos partidos que já existem, no sentido de encaixar uma vertente modernizadora. No próprio PT, no PSDB, no PSD, qualquer um desses, e se há uma abertura num desses partidos para receber um impulso inovador. Há movimentações variadas. Dilma, a presidente, se aproximando do PSDB, tentando reeditar uma expectativa que já houve, no Brasil, de que os dois partidos de centro-esquerda se juntassem para alavancar um processo modernizador de fato na política brasileira. Marina também está vendo, como eu, tudo isso que está acontecendo, e vai se mexer.

A Dilma tem a habilidade necessária para esse tipo de costura?
Ah, não sei. Estou falando do espírito, da intenção maior, do coração. Se a mente, a inteligência operacional vai corresponder, nela ou na Marina, ou em qualquer um de nós, nos elementos importantes que restam no PV, no Gabeira, no Sirkis, não sei. Aí vai depender de quem vai chegar, quais são os jovens que vão se associar a eles, a esses processos, para criar uma coisa nova no Brasil. E a questão internacional, como se articular com os Verdes no mundo, na Europa. O Cohn-Bendit tá vindo aí. Tá aberto, caminhando, é uma mutação em andamento. A gente vai junto para onde tiver que ir.

O Cohn-Bendit me disse, essa semana, que a questão mundial agora é a submissão da agenda política à econômica.
É, exatamente. Inclusive com os interesses financeiros se sobrepondo aos interesses econômicos. A Europa está em busca de estabelecer uma autoridade fiscal que segure as pontas. Nos Estados Unidos, a mesma coisa. E o Obama não consegue trazer setores progressistas do Partido Republicano para uma agenda atualizadora em relação a isso. É um problema do capitalismo, do imperialismo, essas coisas todas que estão resistindo fortemente. Como sempre. Tentando impor, reduzir sempre o avanço à sua visão de totalidade. Aquilo que o Lévy fala. O processo mundial global andando para uma coisa não totalizante, e a dimensão que está sendo questionada tentando trazer tudo para essa totalidade conhecida, manipulável, manobrável, redutível aos seus interesses.

AMORES TATUADOS #7










"ARTE" NA RUA # 106


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

SONZEIRA LEGAL!!! #12

HEI GAROTOS DO BURACO NEGRO.



Para os da antiga que:
tinham como estandarte o lp Grito Suburbano;
frequentavam a loja do Fábio (Olho Seco) Punk Rock Discos na Galeria;
destruiam as ruas (morros) com seus carrinhos de rolimã;
usavam jaquetas de "napa" cheias de rebite e botons e coturnos pesados;
sonhavam e sonham em mudar esta MIERDA.
Para os outros... FODAM-SE!!! rsrsrsrsrs.

ELE MESMO FAZ
Por Felipe de Souza / Fotos: Mauricio Capellari
Revista Void



Se o tal do Do it Yourself precisasse de um embaixador em terras brasileiras, Edson “Redson” Pozzi seria um bom candidato ao cargo. Há trinta anos ele está à frente do Cólera, umas das bandas seminais da cena independente nacional, toca o selo Ataque Frontal e, no começo de tudo, chegou a fabricar as próprias caixas e mesas de som. Como se já não bastasse o pioneirismo na parte musical, ele e seus comparsas foram os primeiros punks brazucas a atravessarem o oceano para uma tour européia que durou cinco meses e contabilizou 56 shows.
Gente finíssima, Redson nos concedeu entrevista um dia antes de mais uma apresentação da tour de comemoração de três décadas do Cólera. Seja bem-vindo à roda punk.

Void: Essa tour de 30 anos começou onde?
Redson: Começou em 2009 em Manaus.

Void: Caralho! E junta gente em Manaus para um show de hardcore/punkrock?
Redson: Sim, cara. Deu 2 mil pessoas na apresentação que fizemos por lá. Também fomos para Belém e foi legal conhecer a cena local… Bandas como Licor de Chorume, Delinquentes, Dercy Gonçalves. Fizemos também Vila Velha, Vitória da Conquista, que fica na serra da Bahia, Rio de Janeiro, Piracicaba, Sorocaba e várias cidades do interior de São Paulo. Na capital paulista, fizemos três eventos para marcar os 30 anos. Um foi no Espaço Impróprio. Fizemos outra apresentação no Hangar 110, desta vez gravando um DVD e rolou um show de graça no CCJ, que é o Centro de Cultura Jovem que fica na Zona Norte da cidade.

Void: Nesses trinta anos você acha que o punk ainda é uma ruptura, ainda consegue ser uma cultura que fuja do moedor de carne da grande indústria?
Redson: É uma situação interessante porque no início o punk não só era uma coisa extremamente explosiva e chocante que quebrava todas as regras, porque tínhamos um grande inimigo que era a Ditadura Militar e esse inimigo não deixava a gente fazer música, nem falar o que queríamos. Com o passar do tempo houve uma grande conquista, conseguimos ter uma cena nacional que no início só se concentrava em São Paulo e no Rio. Temos uma quantidade gigantesca de provas do Faça Você Mesmo dando bons resultados… Então eu diria que o punk era um adolescente rebelde com causa e hoje ele está adulto com o mesmo espírito, com a mesma vibração. Eu acho que a gente não tem como viver totalmente livre do sistema, mas você pode inventar meios alternativos e viver de uma maneira mais honesta e digna.

Void: E naqueles primórdios do punk em São Paulo, você chegou a freqüentar aqueles picos tradicionais como as Grandes Galerias, a estação São Bento e a loja Wop Bop?
Redson: Sim! Nós tínhamos nossa gravadora, a Ataque Frontal, no prédio vizinho à Wop Bop. O pessoal de lá era muito amigo da gente e, além de comprar o material que nós vendíamos, nós construímos uma amizade grande. A Wop Bop era um ponto de referência para nós, era uma loja onde conseguíamos os discos de bandas inglesas e até algumas coisas de pós-punk.



Void: E você circulava lá pela Vila Carolina (1) também?
Redson: Não. Eu era do Capão Redondo, que é 40 km para o lado oposto. E no início o pessoal da Carolina era mais pela treta, não era tão musical. E eu estava no negócio pela música. Naquela época o Capão Redondo era rural, quando a gente surgiu não tinha nem roqueiro morando naquele bairro. Essa safra de bandas de hip hop que tem Racionais e outros grupos, começou no fim dos anos 80 e início dos 90, quando o Capão ficou bem no foco da mídia. Hoje lá a coisa está melhor, tem dois CEOs que são os espaços que a prefeitura proporciona, tem o Ferrez que se tornou um escritor famoso… Então o bairro foi se transformando em uma referência de contracultura. E o legal é que mantivemos o valor do lugar. Como na Carolina já havia uma cena de umas cem pessoas que circulavam por lá, seria mais fácil eu ir pra lá e me juntar com eles, mas aí a cena do meu bairro iria ficar abandonada.

Void: E como era aquela história de improvisar uma bateria com uma poltrona?
Redson: Eu sou autodidata e quando a gente montou o Cólera eu já havia aprendido a falar inglês sozinho e a tocar bateria sozinho também. Como morávamos num kitnete e não podia tocar bateria, eu treinava numa poltrona. Fazia os braços da poltrona de tom tom (risos). Aí quando começou o Cólera a gente tinha que ensaiar com violão e bateria de poltrona. Ficamos um mês inteiro assim.

Void: E depois para ir para uma bateria de verdade, como foi?
Redson: Deu certo! O estágio na poltrona funcionou (risos). É uma boa dica que deixo pra quem mora em apartamento: treine na poltrona!

Void: E a gravação do Sub (2)? Você tem lembranças de como rolou? Tiveram muitas histórias engraçadas?
Redson: Nossa primeira gravação oficial foi nos Estúdios Vermelhos, que na realidade funcionava dentro do meu quarto. Ali gravamos o K7 junto com os Ratos de Porão, com o Jão no vocal. Aí vi que eu levava jeito para lidar com som. Quando fomos gravar o Grito Suburbano, o Fabião (3) me chamou por isso, por eu já ter uma certa vivência, aí produzi aquele disco. Fiz a produção do Cólera e do Olho Seco. Como eu vi como era gravar em estúdio, decidi fazer o Sub, que era uma compilação com Cólera, Ratos de Porão e Psykóze. Uma história interessante foi que a gente na época conseguiu emprestado um baixo Fender e uma guitarra Gibson. Mas éramos tão sem experiência que gravamos com esses instrumentos, mas não sabíamos afinar. Aí a guitarra ficava num tom e o baixo em outro e só fomos descobrir isso na hora de mixar, porque o som estava muito estranho. Aí ficou daquele jeito.

Void: E as letras? Se você for ver de Agitação, revolução e destruição para Pela Paz em Todo Mundo tem um pulo gigante né?
Redson: Essa letra era do Helinho , que ficou cinco meses na banda e compôs três músicas. “Agitação, Revolução, Destruição” foi uma delas. E eu sempre falava para ele que eu não era niilista nem destrutivo (risos). Aí veio o Pela Paz em Todo Mundo, com uma série de letras positivas. Mas vira e mexe tem gente que comenta a diferença de propósito nessas duas letras.

Void: A estreia do Cólera em um disco só da banda foi com o Tente mudar o amanhã e as letras tinham uma temática que girava ao redor de Guerra Fria, crise nuclear, uns assuntos pesados. Você acha que a juventude daquela época era mais amargurada, mais sofrida?
Redson: Eu acho que não. O pessoal vive falando que na nossa época que era bom e agora a molecada está muito cabeça vazia. Eu não concordo. Naquela época éramos muito guerreiros, lutávamos contra a ditadura, tomávamos geral da polícia em toda a esquina… Mas esse fator emocional se justificava pelo estado de espírito que a gente vivia, numa época que existia essa pressão de polícia…Tínhamos essa amargura e isso era impresso nas letras. Mas não era só no Cólera. Se você ver, Lixomania, Psykóze e AI-5 também tinham músicas assim. No início, nós não éramos uma nova banda punk, fazíamos um som meio country, como se pode notar no Primeiros Sintomas. E as letras eram surrealistas, não tinha nada falando de destruir o sistema, nada disso. Mas eu vi no punk um espaço de liberdade artística em que eu poderia fazer o que eu quisesse. E com essa nossa postura a gente começou a ganhar público muito rápido, porque a maioria das bandas era segmentada. Por exemplo: todo mundo se vestia de preto e branco. Eu já cheguei usando camiseta vermelha do lado do avesso, com cadarço vermelho no coturno e depois ainda fiz um disco com capa amarela e azul. Quando começamos a armar as músicas para o Sub, foi quando conhecemos The Clash. Aí foi o pontapé inicial para começar a falar de cultura, política e sociedade.



Void: Nessa época teve uma história de uma repórter que foi fazer uma matéria, pagou ceva pra todo mundo e depois fez uma reportagem toda filha da puta…
Redson: Sim, nesse episódio eu estava. Estava lá na São Bento(4), em uma pastelaria e aí chegou essa moça da Globo sozinha, sem equipe, dizendo que queria fazer uma matéria para ouvir o que os punks tinham para dizer. Ela ficava escolhendo os mais toscos, os que estavam mais na pinga. Ela começou a pagar bebida e eu fiquei esperto, de bico seco. Aí criei um problema com a menina e ela decidiu pegar os punks mais bêbados e colocar dentro de um furgão. Levaram os caras lá para Pirituba e fizeram uma matéria toda deturpada. Isso foi em 1982 e saiu no Fantástico.

Void: E em 1986 vocês lançaram o Pela paz em todo mundo, que vendeu 85 mil cópias. Hoje em dia isso seria um disco de ouro quase…
Redson: Sim, mas não foi vendido tudo de uma vez só. Esse disco saiu bastante porque mandamos muitos exemplares para o exterior nessa época. A Ataque Frontal (5) estava com uma demanda muito grande para os Estados Unidos, Europa, América Central… Nossa cena aqui estava boa e mandávamos um pacote com 20 discos. E em 1986 fizemos uma tour nacional enorme para fazer um caixa para ir tocar na Europa em 1987. Então também conseguíamos vender nos shows.

Void: E vocês tiveram muita exposição na mídia nessa época?
Redson: Sim! Tocávamos em rádios e íamos a programas de TV. Até porque das bandas do mesmo estilo da época, o Inocentes estava meio parado, o Ratos de Porão tinha virado um lance meio trash, crossover. Então era o Cólera que fazia aquele som tipoToy Dolls, meio The Clash. O Kid Vinil tinha um programa de rádio toda as segundas-feiras e a produção dele sempre ligava para pedir que alguma banda do nosso selo fosse lá. Às vezes era até pra tapar um furo. Ligavam pra gente e diziam: “Manda o Cólera pra cá que o Ira não vai poder vir” (risos).

Void: E essa super exposição na mídia não trouxe um monte de narizes torcidos da galera mais xiita?
Redson: A gente sempre teve nariz torcido para nós. Desde a época que fazíamos aquele som country. E foram esses ventos contrários que fortaleceram a gente. Quando fomos para a grande mídia, nossas músicas tocavam na rádio 89 FM o dia inteiro, e isso sem jabá. Então o pessoal mais radical reclamava mesmo. Mas a gente tinha que escolher: ou ficava ouvindo a opinião dos outros ou tocávamos o barco para frente.



Void: E como foi essa tour louca na gringa? Em 1987 a Europa ainda nem era um bloco econômico, metade da Alemanha ainda era comunista…
Redson: Poutz, foi louco. Em 1984 um belga que comprava muito disco da gente mandou uma carta perguntando se queríamos tocar por lá. Nessa época eu tinha uns 20 anos. Imagina a nossa empolgação. Aí definimos que toda a grana que entrava na banda teria que ser guardada para essa turnê. Fomos para lá com 18 shows marcados. Quando chegamos em Bruxelas, esse cara me puxou num canto e falou: “O Brasil é muito longe e nunca pensei que vocês viriam de verdade. Na real, não tem nenhum show marcado”. Cara, imagina o desespero. Tínhamos pegado até empréstimo em banco para pagar as passagens. Mas eu não ia voltar para casa e liguei para um cara que organizava umas tours do UK Subs e do Dead Kennedys. Em dois dias ele conseguiu armar sete shows para nós. No fim, acabamos fazendo 56 apresentações por lá. Como não foi nada planejado, andávamos em zigue zague pela Europa inteira. Chegava na Dinamarca era uma moeda, na Itália era outra, outra na Noruega… A gente parecia colecionador de dinheiro (risos). Mas arregaçamos por lá. Só em Antuérpia nós tocamos sete vezes e todos os shows lotados. Mas tivemos um prejuízo gigante, chegamos no Brasil falidos e devendo seis mil dólares. E o mais engraçado é que quando voltamos, os caras que torciam o nariz para nós falavam que estávamos milionários (risos).

Void: Depois desse tempo todo na Europa, como foi voltar para a realidade brasileira?
Redson: Foi difícil, cara. Quando terminou a turnê eu ainda fiquei duas semanas em Madri. Não queria voltar para São Paulo. Na época, conhecemos muita gente da cena deles, o pessoal acabava nos hospedando em casa. Tinha um apartamento em Bruxelas que eu dividia com umas meninas… Enfim, não queria voltar. O Brasil estava um caos, inflação absurda…

Void: Mas acabou voltando…
Redson: Sim! Voltei da Europa com um projeto de rádio que se chamava Independência ou Morte, que ficou um ano na 89FM. Lembro que tínhamos que colocar umas caixas de papelão pelo chão para colocar tanta carta que chegava. Eu já tinha feito um programa de rádio lá na Bélgica, só tocando as bandas que me deram material naquele tempo todo de estrada. Depois lá me chamaram para participar de um programa sobre música Oi! e outro que era sobre futebol.

Void: Você ainda tem centenas de fitas K7 guardadas em casa?
Redson: Sim! Tenho mais de trezentas fitas. No início do punk, lá na década de 70, o vinil era muito caro. Então as K7s eram um recurso para divulgar o som. Comecei a me profissionalizar nesse lance de gravação em tape, comprei fitas em ferro e cromo que eram para fazer a matriz. Nesse tempo eu produzi uma coletânea que se chamava B.U.S (Brazilian Underground Scene), que tinha bandas como Dever de Classe, de Salvador, Atrack, de Porto Alegre… Essas fitinhas tinham uma procura gigantesca. Lembro que lá por 1986 e 1987 já tínhamos mais de 80 títulos, entre bandas nacionais e estrangeiras. E eu tenho esse material todo guardado. Tenho até o primeiro show do Cólera em Fita K7.



Void: E o lance da Ecologia dentro da banda, quando começou? Foi a partir do disco Verde, não devaste?
Redson: Na real eu tenho esse interesse desde criança. Na minha infância, o (bairro) Capão Redondo era uma área rural de São Paulo. Depois fui morar no centro e via como era horrível a poluição na cidade e ficava indignado que ninguém fazia nada a respeito. Quando chegamos da Europa, lá eles estavam em um momento ativista de ecologia, aí cheguei aqui com essa bagagem de ter visto passeatas e grafites com essa temática. Depois conheci em São Paulo o pessoal de uma ONG e fizemos vários eventos com eles. Foi aí que saiu o Verde, não devaste.

Void: Em 92 saiu o Mundo Mecânico, Mundo Eletrônico, que tinha a música “Shopping Boy”. Naquela época você já vislumbrava um futuro onde a molecada iria ficar enclausurada, consumindo, comendo e passando o tempo?
Redson: Sim! Eu lembro que quando lançaram o primeiro shopping de São Paulo, o Ibirapuera, fizeram um barulho como se estivesse pousando uma nave espacial na cidade. E para mim aquilo era muito idiota, as pessoas iam para lá para se exibir, eu me sentia mal para caralho com aquilo. Aí não via hora de escrever uma letra ironizando aquilo tudo.



Void: E hoje em dia, você vê alguma cena ou pessoa que tenha essa disposição de fazer essa mão de obra toda que vocês fizeram nesse tempo todo de carreira?
Redson: Eu faço uma palestra que se chama “Faça Você Mesmo”, que é mais ou menos como um workshop motivacional. Hoje temos pessoas no Brasil inteiro seguindo essa filosofia com sucesso. Existem eventos como o Porão do Rock, Goiânia Noise, tem o Palco do Rock na Bahia, que rola em todo o carnaval. Imagina uma cidade como Salvador, em pleno carnaval, com um palco enorme na beira da praia, com bandas de rock brasileiras e do exterior tocando de graça para a galera. Então o que eu vejo hoje é que o que sempre tive como ideal está acontecendo na prática, temos atividade cultural organizada e temos colaboração de várias pessoas. Acho que estamos em um momento legal.

NOTAS
(1) Bairro onde surgiram as primeiras aglomerações de punks em SP
(2) Primeira coletânea punk a ser lançada no Brasil. Além do Cólera, participaram Ratos de Porão e Psykoze
(3) Vocalista da banda Olho Seco e proprietário de loja de discos na Galeria do Rock, em SP.
(4) Estação de metrô onde os punks se reuniam.
(5) Selo de propriedade de Redson.



Quanto Vale A Liberdade?
Cólera
Composição: Redson

Quanto vale a liberdade?
Pra vocês ela tem um preço
Quanto vale a confiança?
Não quero esperar
Não acredito no seu dinheiro
Onde está o seu caráter
Deve estar perdido em algum beco
Horas você enlouquece
E depois quer fugir
Se refugia como um animal, como um animal
Dia após dia eu procuro ir em frente
Vê se me entende, não há razão, não há razão
Já não pode mais pensar
Olhe para tudo como está
Agora eu sei que não há preço
Mas me sinto acorrentado
Dia após dia, e não há razão, não há razão
Quanto vale a liberdade?
Quanto vale a liberdade?
Não importa, eu vou em frente
Não importa, eu vou em frente, não!

Quanto vale a liberdade?
Pra vocês ela tem um preço
Quanto vale a confiança?
Eu não quero esperar
Não acredito no seu dnheiro
Onde está o seu caráter
Deve estar perdido em algum beco
Horas você enlouquece
E depois quer fugir
Se refugia como um animal, como um animal
Dia após dia eu procuro ir em frente
Vê se me entende, não há razão, não há razão
Já não pode mais pensar
Olhe para tudo como está
Agora eu sei que não há preço
Mas me sinto acorrentado
Dia após dia, e não há razão, não há razão
Quanto vale a liberdade?
Quanto vale a liberdade?
Não importa, eu vou em frente
Não importa, eu vou em frente, não!


Dia E Noite, Noite E Dia
Cólera
Composição: Redson

Dia e noite, noite e dia (4x)
Hoje eu passei pela Praça da Paz
Mas ví conflitos e brigas
Fui na Avenida Solidariedade,
Só o egoísmo e a luxúria

E por isso estou aqui só para encontrar
Com você e com a consciência
Dia e noite, noite e dia vivo a questionar
Será que isso não pode mudar?

Vi em Chicago, o óleo a queimar
Vi indigentes e o medo
Na China Nova vi escravidão
Jovens frustados , suicídio

Você me diz acomodado que isso é normal
Mas enquanto não é com você ..

Dia e noite, noite e dia eu vivo a questionar
Será que isso não pode mudar...
Dia e noite, noite e dia eu vivo a imaginar
Será que isso não pode mudar?

Muitos ministros roubando o pais,
Muita violência nos campos
Mães matam os filhos e se matam depois
Não tem valor mais a vida

Você me diz acomodado e que isso é normal
Mas enquanto não é com você ..

Dia e noite, noite e dia eu vivo a questionar
Será que isso não pode mudar...
Dia e noite, noite e dia eu vivo a imaginar
Será que isso não pode mudar? (4x)

Dia e noite, noite e dia (4x)
Hoje eu passei pela praça da paz
Mas ví conflitos e brigas
Fui na avenida solidariedade,
Só o egoísmo e a luxuria

Vivo-lhes e estou aqui só para encontrar
Com você e com a consciência
Dia e noite, noite e dia eu vivo a questionar
Será que isso não pode mudar?

E em Chicago, o óleo a queimar
Indigentes e o medo
Nasce uma nova escravidão
Jovens Frustados , suicidas

Sei que diz acomodado e que isso é normal
Mas enquanto não é com você ..

Dia e noite, noite e dia eu vivo a questionar
Será que isso não pode mudar...
Dia e noite, noite e dia eu vivo a imaginar
Será que isso não pode mudar?

Muitos ministros roubando o pais,
Muita violência nos campos
Mães matam seu filhos e se matam depois
Não tem valor mais a vida

Sei que diz acomodado e que isso é normal
Mas enquanto não é com você ..

Dia e noite, noite e dia eu vivo a questionar
Será que isso não pode mudar...
Dia e noite, noite e dia eu vivo a imaginar
Será que isso não pode mudar? (4x)