terça-feira, 23 de agosto de 2011

O GRANDE KADAFI.



A noite vai avançada em Trípoli, e o Grande Kadafi [1] beberica seu White Russian[2], fumando um do bom, do Maghreb, enquanto sintoniza uma gigantesca televisão de plasma em sua tenda na fortaleza de Bab al-Aziziyah. Ninguém, nem alguma voluptuosa enfermeira ucraniana, conseguiria apaziguar sua alma em revolta.
Por Pepe Escobar, em Asia Times Online

Assiste, com ar de quem não acredita nos próprios olhos, à narrativa que avança naquela sopa de letras ocidentais conhecida como “noticiário”; juram que Muamar Kadafi está “sitiado”, “exaurido”, “tentando achar alguma rota de fuga”, “preparando-se para fugir” (para a Tunísia) e que “é só questão de tempo” antes do “colapso” de seu governo.

Tudo isso, porque um bando de beduínos bárbaros apoiados pelas bombas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) decidiu mijar no seu tapete.

O Grande Kadafi:Aquele tapete era a base que mantinha em pé a sala”.

Não diria, de si mesmo, que esteja “sitiado”. Afinal, as pesquisas mostram que, na Líbia, a aprovação de seu governo no mínimo dobrou, nos últimos meses. E então um dos caras lá da Casa Branca disse ao pessoal lá que a Líbia aceitaria um acordo de cessar-fogo pelo qual a Otan controlaria só alguns pontos da Cyrenaica – sim para Benghazi, não para Misrata – e abriria caminho para uma força de paz dos capacetes azuis da ONU.

Examina o calendário no seu iPhone; o mês do jejum santo dos muçulmanos, o Ramadã, estende-se até 29 de agosto. Faltavam só uns dez dias, para que o cessar-fogo entrasse em vigência. Mas os norte-americanos – como sempre – e sua cobiça sem limites! Queriam para eles todas as concessões de petróleo e gás, pôr as mãos em todas elas. E queriam que Kadafi se aposentasse. Petróleo e gás são sempre negociáveis. Questão de acertar o preço. Quanto à aposentadoria, podem enfiar no seu rabo.

Guarda-costas do Grande Kadafi:E quando estivermos fazendo a entrega, eu pego um dos deles, arrebento o cara e arranco tudo dele, de volta. Que tal?

O Grande Kadafi:Grande plano, porra, super engenhoso, se estou entendendo bem. Perfeito, porra, infalível como uma porra de relógio suíço, porra.

Que tipo de guerra “popular” foi aquela? O pessoal do serviço secreto trouxe-lhe em bandeja de prata a mais recente pesquisa Rasmussen – segundo a qual, só 20% dos norte-americanos apoiam hoje o escandaloso bombardeio por EUA/OTAN, sobretudo porque aqueles panacas bombardearam civis e mais civis, até crianças. Os europeus – os que contam, gente de verdade, não os burocratas panacas de Bruxelas – estão ainda mais incomodados que os norte-americanos.

E dizer-se que os niilistas europeus tentaram vender a ficção de que ele, Kadafi, seria um “ditador maléfico” que queria “matar o próprio povo”!

Guarda-costas do Grande Kadafi:Niilistas?! Agora, fodeu... Quero dizer, digam o que disserem dos princípios do nacional socialismo, Meu Chapa árabe, pelo menos era algum ethos”.

Os niilista europeus bombardearam a infraestrutura civil – privaram muita gente no oeste da Líbia, de água e comida, para que as ‘massas’ ‘se levantassem’ e derrubassem Kadafi. É como funciona uma guerra para “proteger civis”, nessas cabeças ocidentais doentias: ensinar os civis a se borrarem de medo.

O Grande Kadafi sempre soube que nunca esteve só. O povo de Trípoli não se borrou de medo. Estudantes, professores, cidadão comuns, todos armados com Kalashnikovs, lança-granadas e morteiros, todos prontos a escavar trincheiras, cercar a cidade, montar um cordão de pontos de controle, organizar a resistência casa a casa. Os ‘rebeldes da OTAN’ jamais tomariam Trípoli.

Guarda-costas do Grande Kadafi:Cara, recebi informações novas. Há mais merda no ar do que pensávamos.

Verdade. Kadafi agora sabe com certeza que grandes tribos – Warfa'llah, Washafana, Tarhouna, Zlitan – todas sempre estiveram com ele. E que, ao contrário do que prega a propaganda dos “rebeldes da OTAN”, Zawiya, Gharian e Surman não caíram.

Gaddafi sempre soube que aqueles sujeitos sem sal nem vergonha do Conselho Nacional de Transição [ing. Transitional National Council (TNC)] nunca superariam ou superarão as guerras tribais seculares que os separam; todas elas, de fato, miniguerras civis.

Impossível acreditar que norte-americanos e europeus tenham sido idiotas a ponto de pôr dinheiro na brigada Abu Ubaidah bin Jarrah. A brigada recusa-se a lutar sob comando dos “rebeldes da OTAN” e já assumiu a “segurança interna”, pelo mesmo método de sempre: eles degolam inimigos.

Kadafi hoje conta, inclusive, com o apoio da furiosa tribo Obeidi – que inclui a família do general General Abdul Fatah Younis, que foi ministro do Interior de Kadafi, antes de virar desertor comandante-em-chefe dos ‘rebeldes’ e ser assassinado lá mesmo, pelos mesmos “rebeldes da OTAN”.

Ocidentais imbecis, que ainda ontem beijavam barra de túnica africana, em visita que faziam, em fila, à tenda itinerante. Hoje salivam só de ouvir falar de sumarentos acordos comerciais, ainda mais sumarentas perfurações nos campos de petróleo, certos – perfeitos idiotas – que conseguirão evitar a inevitável, monstruosa guerra civil tribal que descerá sobre eles.

O Grande Kadafi:Ok. Certo, certo. Então, se assinarem meu cheque, 10% de meio trilhão... 50 bilhões... Eu me mando. Sumo.

Kadafi sempre soube por que vieram até ali, mijar no seu tapete. Porque nunca deu a britânicos, franceses e ianques as concessões de petróleo que queriam. Então eles, e os insuperáveis salafrários sauditas, puseram-se a financiar aqueles fanáticos que tinham contatos com a al-Qaeda – exatamente o que fizeram no Afeganistão nos anos 1980s.

Banqueiros-gânsteres inventaram um Banco Central ‘alternativo’ – com a prestimosa ajuda do HSBC – para assaltar a Líbia e roubar o dinheiro dos líbios. E também inventaram uma nova empresa de petróleo, nova, totalmente privada, administrada pelo Qatar, para roubar o petróleo da Líbia.

Ora, ora... Por que ele, Kadafi, não pensou antes nesse lance de “guerra humanitária”? Que matança utilíssima, teria feito!

O Grande Kadafi:Vocês têm a história de vocês, eu tenho a minha. O que digo e provo é que confiei meu dinheiro a vocês e vocês – vocês! – roubaram o meu dinheiro que tinham sob sua guarda.

A “Coalizão”:Loucura! Como se algum dia tivéssemos SONHADO com roubar essa merda de dinheiro líbio!

O que está sendo feito na Líbia terá troco – será horrível. De dar medo.

As bombas da OTAN já degradaram a indústria líbia de petróleo, que voltou ao ponto em que estava, no mínimo, há três anos passado. Mas os canalhas, covardes, não terão coragem de atacar Trípoli. Numa batalha por Trípoli, mulheres e crianças morrerão em massa.

O Grande Kadafi: "Ah, malditos! Fucking fascistas!"

Terão de bombardear Trípoli até devolvê-la à idade da pedra – exatamente o que já fizeram em Bagdá. Ou usarão alguma arma biológica alucinada, que fará de Trípoli cemitério e deserto.

O Grande Kadafi:Não pode ser. Não será. Não vai ficar assim, ya know, essa violência não pode ficar sem castigo, man.

OK. Seja. Se esse é o tipo de paraíso que a OTAN e os ‘democratas’ sauditas e qataris querem... o Nosso Chapa árabe lhes dará o que querem – e será como sobreviver no inferno. Mercado livre aberto para todos, uma base do Africom no Mediterrâneo, um governo fantoche, um Karzai da Líbia – e um exército de guerrilheiros fanáticos degoladores que os combaterão por muitas gerações, até o dia do Juízo Final. O Afeganistão remixed.

O Grande Kadafi procurou The Chocolate Watchband[3] no seu iPod – “passei por aqui / só pra ver / em que condições / estava minha condição” – olhou em volta e andou diretamente para dentro da nem tão fresca noite norte-africana. Os jatos da OTAN circulavam no céu. Ouviram-se sete explosões em Bab al-Aziziyah.

O desconhecido:"‘Meu Chapa’ desapareceu na escuridão – “darker'n a black steer's tookus on a moonless prairie night”[4]. Sem fundo."

Notas

[1] Para ler pensando em “O Grande Lebowiski” [The Big Lebowiski, 1993, dir. irmãos Coen]. Todas as falas aí citadas de Kadafi, são falas do Grande Lebowski, no filme; falas de outros personagens do filme aparecem atribuídas aí a outros ‘falantes’

http://www.imdb.com/title/tt0118715/quotes

O filme nara a história de Jeffrey Lebowski, apelidado “The Dude” [‘Meu chapa’, ‘meu camaradinha’, ‘o cara’; gíria], que vive em Los Angeles no início dos anos 90s. Uma noite, ‘Meu Chapa’ chega em casa e encontra à sua espera dois homens que lhe dizem que sua mulher deve uma enorme quantidade de dinheiro a um homem chamado Jackie Treehorn; e que ‘Meu Chapa’ tem de pagar a dívida, dado que Treehorn sabe que ‘Meu Chapa’ é riquíssimo. Os homens torturam ‘Meu Chapa’, espancam-no, metem sua cabeça no vaso sanitário e, na saída, urinam no tapete que há na sala e ao qual ‘Meu Chapa’ é emocionalmente muito ligado. A questão é que ‘Meu Chapa’ não tem mulher, nem dinheiro algum; é desempregado crônico e vive de bicos. Os agressores, afinal, vendo, de fato, a miséria da casa onde ‘Meu Chapa’ vive, dão-se contra de que apanharam o Jeffrey Lebowski errado. E vão-se.

Depois de alguma reflexão sobre o ocorrido, ‘Meu Chapa’ aceita a sugestão do amigo Walter, de irem em busca do outro Jeffrey Lebowski, para exigir dele algum tipo de indenização pelo tapete urinado. Para grande surpresa de ‘Meu Chapa’, o outro Jeffrey Lebowski é um velho, preso a uma cadeira de rodas e perfeito canalha ‘de filme’: vive em mansão imensa, com piscina gigante, é violento contra visitantes como ‘Meu Chapa’, tem um capanga-guarda-costas (que bajula o chefe) e uma sexy jovem esposa-troféu – Bunny –, além de muitos tapetes caríssimos. ‘Meu Chapa’ rouba-lhe um tapete e dá-se por bem indenizado. Tapete a mais, tapete a menos, para quem tem tantos...

A história muda de registro quando Bunny é sequestrada e o Lebowiski milionário pede que o Lebowiski-‘Meu Chapa’ lhe sirva de portador, para entregar aos sequestradores o resgate de um milhão de dólares. Daí em diante a coisa é praticamente inenarrável, senão como o filme narra: misturam-se objetos de diferentes planos de discussão – calcinhas, cuecas, um tapete de alto valor sentimental, pornografia, niilistas, carros destruídos, esmalte verde para unhas, um pedófilo, disputas de boliche, para citar alguns itens-ícones. O filme é interessantíssimo e pinta retrato miserável dos EUA onde nem os sobreviventes sabem exatamente porque sobrevivem ou como, e são capazes de vinganças exemplares [NTs].

[2] Coquetel adocicado de vodka. Mais em http://en.wikipedia.org/wiki/White_Russian_(cocktail).
RECEITINHA NA FAIXA
INGREDIENTES:
* Licor de café Kahlúa ou Tia Maria
* Vodka
* Creme de leite
* Leite
* Gelo
MODO DE PREPARO:
Ponha umas três ou quatro pedras de gelo na sua coqueteleira. Sirva 3 doses de creme de leite e uma de leite. Bata o creme e o leite na coqueteleira o suficiente pra gelar a parede mas sem exageros. Rapidamente encha o copo com gelo, sirva cinco doses de vodka e uma de licor de café. Precisa ser necessariamente nessa ordem para que o licor não precipite no fundo e o drink fique forte. Mexa com uma colher. Pegue esta mesma colher e vire-a com as costas para cima. Encoste levemente sua ponta na mistura de vodka com licor e na parede do copo, deixando suavemente escorrer a mistura de creme de leite com leite. A intenção é fazer com que os ingredientes não se misturem, formando um drink de duas camadas, que só vão se misturar no gole. Sendo assim, o resultado final será um pouco diferente daquele visto no filme, onde “The dude” bebia um White Russian mais misturado.

[3] Banda de rock psicodélico ‘de garagem’, criada em 1965.


[4] Ninguém por aqui conseguiu traduzir essa frase. A maioria aprovou que se deixasse como está, a frase intraduzível. Dificilmente seria mais claramente compreensível em português, do que em inglês. Talvez haja, mesmo, algum mistério imperscrutável, nessa frase. Mas, sim, qualquer ajuda é bem-vinda [NTs].,

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