terça-feira, 9 de novembro de 2010

EN MEU TROBAR.






PAI SOARES DE TAVEIROS

São mínimos os dados biográficos dêste a quem se atribui a autoria da mais antiga composição escrita em idioma português (1189, como quer Carolina Michäelis de Vasconcelos; 1198 ou 1206, como asseveram outros pesquisadores). Só por êsse motivo é ela transcrita aqui, pois sua interpretação é difícil e suscita dúvidas até hoje.

CANTIGA DE AMOR

No mundo non me sei parelha,
mentre me for’ como me vai,
ca ja moiro por vos – e ai
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi en saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquel di’, ai!
me foi a mi muin mal,
e vos, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’aver eu por vos guarvaia,
pois eu, mia senhor, d’alfaia
nunca de vos ouve nen ei
valía d’ũa correa.

D. SANCHO I

Filho de D. Afonso Henriques, fundador da monarquia portuguêsa , nasceu em Coimbra (1154) e faleceu em 1212. Segundo rei de Portugal, inclui-se entre os mais antigos trovadores. A seguinte cantiga de amigo, cuja autoria lhe é confirmada por Carolina Michäelis de Vasconcelos, com fortes argumentos, é a segunda mais antiga composição poética portuguêsa. Escrita entre os anos de 1194 a 1199, foi inspirada, possivelmente, nos seus amôres com D. Maria Pais Ribeiro, a célebre Ribeirinha.

CANTIGA DE AMIGO

Ai eu coitada!
Como vivo en gran cuidado
por meu amigo
que ei alongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!
Ai eu coitada!
como vivo en gran desejo
por meu amigo
que tarda e non vejo!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda!

JOÃO GARCIA DE GUILHADE

Supostamente de origem galega. Documento existente no Censual da Sé do Pôrto (1239) menciona um certo Johanes de Aguiladi, que, pela semelhança do nome e proximidade da época em que viveu, dá a alguns pesquisadores a convicção de se tratar dêste trovador e, assim, seria êle, de fato, português. O que é fora de dúvida, entretanto, é que tenha residido no Pôrto e em outras localidades de Portugal. Sua importância caracteriza-se, sobretudo, pela originalidade com que soube superar os cânones do trovadorismo.

CANTIGA DE ESCÁRNIO

Ai, dona fea, fostes-vos queixar,
por que vos nunca louv’ en meu trobar;
mais ora quero fazer un cantar,
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar;
dona fea, velha e sandia!

Ai, dona fea, se Deus mi perdon,
e pois avedes tan gran coraçon
que vos eu lôe en esta razon,
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e dire-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

CANTIGAS DE AMOR

A bõa dona, por que eu trobava
e que non dava nulha ren por mi,
pero s’ ela de min ren non pagava,
sofrendo coita, sempre e servi.
E ora já por ela ‘nsandeci!
E dá por mi ben quanto x’ante dava!
E pero x’ela con bon prez estava
e con mui bon parecer que lh’ eu vi,
e lhe sempre con meu trobar pesava,
trobei eu tanto, e tant’ a servi
que já por ela lum’ e sen perdi!
E anda x’ela por qual x’ant’ andava:
Por de bon prez; e muito se prezava;
e dereit’ é de sempr’ andar assi,
ca se lh’ alguen na mia coita falava,
sol non oía, nen tornava i;
pero por coita grande que sofri
oimais ei dela quant’ aver coidava:
Sandece e morte que busquei sempre i!
E seu amor me deu quant’ eu buscava!

Se m’ ora Deus gran fazer quisesse,
non m’ avia mais de tant’ a fazer:
leixar-m’ aqui, u m’ ora ‘stou, viver.
E do seu ben munca m’ el outro desse!
Ca já sempr’ eu veer-ia daqui
aquelas casas u mia senhor vi,
e catá-la ben, quanto m’ eu quisesse.
Para Deus, senhor, viçoso viver-ia
e en gran ben, e en mui gran sabor
veê-las-casas u vi mia senhor!
E catara-la quant’ eu cataria!
Mentr’ eu daquestro ouvesse o poder
daquelas casas que vejo, veer,
nunca én já os olhos partiria!
Daqui vej’ eu Barcelos e Faria,
e vej’ as casas u já vi alguén,
per bõa fé, que me nunca fêz ben!
Vêdes por quê: por que x’o non queria.
E pero sei que me matar ‘amor,
enquant’ eu fosse daqui morador,
nunca eu já d’ el morte temeria.
E esse pouco que ei-de viver,
vivê-lo-ia a mui gran prazer,
ca minha senhor nunca mi-o saberia!

CANTIGAS DE AMIGO

Amigas, que Deus vos valha!
quando veer meu amigo,
falade sempre ũas outras,
enquant’ el falar comigo,
ca muitas cousas diremos
que ante vós non diremos.
Sei eu que por falar migo
chegará el mui coitado
e vós ide-vos chegando
lá todas per’ ess’ estrado,
ca muitas cousas diremos
que ante vós non diremos.

Morr’ o meu amigo d’ amor
e eu non no lhi creo ben,
e el mi diz logo por en
ca verrá morrer u e fôr,
e a mi praz de coraçon
por veer se morre, se non.
Enviou-m’ el aasi dizer
que el por mesura de mi
que o leixasse morrer aqui
e o veja, quando morrer,
e a mi praz de coraçon
por veer se morre, se non
Mais nunca já crea molher
que por ela morren assi,
ca nunca eu esse tal vi,
e el moira, se lhi prouguer,
e a mi praz de coraçon
por veer se morre, se non.

MARTIN SOARES

Trovador da primeira metade do século XIII, freqüentou a côrte espanhola e teve oportunidade de ali conviver com poetas provençais, de cuja influência muito se beneficiou. Natural “que foi de Riba de Limia, en Portugal, e trobou melhor ca todolos que trobaron e asi foi julgado antr’os trobadores”, segundo atesta o Cancioneiro de Colocci Brancuti.

CANTIGA DE AMOR

Meu senhor Deus, se vos prouguer,
tolhed’ amor de sobre mi,
e non me leixedes assi
en tamanha coita viver!
Ca vos devedes a valer
a tod’ ome que coit ouver,

Ca me seria mais mester.
Ca me ten oj’ el na maior
cuit’ en qu’ ome ten amor.
E Deus, se vos for en prazer,
sacada-me de seu poder,
e pois fazed mi-al que-quer!

E des que mi-amor non fezer
a coita, que levo, levar,
Deus! nunca por outro pesar
averei sabor de morrer,
o que eu non coido perder,
mentr’ amor sobre mi puder.

PÊRO MEOGO

Biografia incerta. Possìvelmente galego. Carolina Michäelis de Vasconcelos vê no sobrenome (meogo moogo monachus monge) a indicação de que se trata de um egresso de algum convento ou dêle seja descendente ou, talvez, acrescenta, “poderá ser um clérigo de Sanfiz (S. Feliz, hoje Sanfins)... dado “como vivo no ano de 1271”.

CANTIGAS DE AMIGO

Ai, cervas do monte, vin vos perguntar:
foi-s’ o meu amigu’ e, se alá tardar,
que farei, velidas?

Ai, cervas do monte, vin vo-lo dizer,
foi-s’ o meu amigu’ e querria saber
que farei, velidas?

Digades, filha, mia filha velida:
porque tardaste na fontana fria?
os amores ei.

Digades, filha, mia filha louçana:
porque tardaste na fria fontana?
os amores ei.

– Tardei, mia madre, na fontana fria,
cervos do monte a áugua volvian:
os amores ei.

Tardei, mia madre, na fria fontana,
cervos do monte volvian a áugua:
os amores ei.

– Mentir, mia filha, mentir por amigo;
nunca vi cervo que volvess’ o rio:
os amores ei.

Mentir, mia filha, mentir por amado;
nunca vi cervo que volvess’ o alto:
os amores ei.

D. AFONSO X

D. Afonso X, rei de Leão e Castela, cognominado o Sábio, nasceu em 1221 e morreu em 1284. “Pai da prosa castelhana”, filósofo, legislador, homem de ciência, historiador, foi também poeta e, como tal, embora espanhol de nascimento, escreveu trovas de amor e de maldizer em galelo-português e, também nessa língua, as Cantigas de Santa Maria. Avô de D. Diniz, que dêle herdou a veia lírica e as qualidades que o distinguiram como patrono das letras, foram notáveis suas atividades culturais. Orientou ou colaborou em traduções, em obras de caráter didático, na redação do monumental trabalho jurídico Las siete partidas, escreveu a ESTORIA D’ESPAÑA, a GRANDE ET GENERAL ESTORIA e, ainda, livros de ciência, como a obra LIBROS DEL SABER DE ASTRONOMIA.

CANTIGAS DE SANTA MARIA

I

Des oge mais quer’ eu trobar
pola Senhor onrrada,
en que Deus quis carne filhar
bẽeita et sagrada,
por nos dar gran soldada
no seu reino et nos er dar
por seus de sa masnada
de vida perlongada,
sen avermos pois a passar
per mort’ outra vegada.

E porém quero começar
como foi saüdada
de Gabriel, u lhe chamar
foi: – Ben aventurada
Virgen, de Deus amada,
do que o mund’ á de salvar
ficas ora prenhada,
et demais ta cunhada
Elisabeth, que foi dultar,
é end’ envergonhada.

E demais quero-lh’ enmentar
como chegou canssada
a Beleem, et foi pousar
no portal da entrada,
u pariu sebn tardada
Jesu Crist’, e foi-o o deitar,
como molher menguada,
u deitan a cevada
no presev’, e apousentar
ontre bestias d’arada.

E non ar quero obridar
com’ ángeos cantada
loor a Deus foron cantar
et “paz en terra dada”;
nen como a contrada
aos três Reis em Ultramar
ouv’ a strela mostrada,
por que, sen demorada,
vẽeron as oferta dar
estranha et preçada.

Outra razon quero contar
que lh’ ouve pois contada
a Madalena: com’ estar
viu a pedr’ entornada
do Sepulcr’ e guardada
do ángeo, que lhe falar
foi et disse: – Coitada
molher, sei confortada,
ca Jesu, que vẽes buscar,
resurgiu madrugada.

E ar quero-vos demostrar
gran lediç’ aficada
que ouv’ ela, u viu alçar
a nuv’ enlumẽada
seu Filh’, e pois alçada
foi, viron ángeos andar
outr’ a gent’ assũada,
mui desaconselhada,
dizend’: – Assi verrá juigar:
est’ é cousa provada.

Nen quero de dizer leixar
de como foi chegada
a graça, que Deus enviar
lhe quis, atan grãada,
que por el esforçada
foi a compan[h]a, que juntar
fez Deus, et ensinada,
de spirit’ avondada,
por que souberon preegar
logo sem alongada.

E, par Deus, non é de calar
como foi corõada,
quando seu Filho a levar
quis, des que foi passada,
con el no ceo, para a par,
e Reina chamada,
Filha, Madr’ e Criada;
e porén nos dev’ ajudar,
ca x’ é noss’ avogada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário