quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MESSIAS-CRISTO

As tentações de Jesus – parte 6
por francisco razzo
por Bento XVI*

A terceira tentação de Jesus e tida como a tentação fundamental: a questão sobre o que um redentor do mundo deve fazer. Ela perpassa toda a vida de Jesus. Evidencia-se, de novo e abertamente, numa virada decisiva do seu caminho. Pedro tinha em nome dos discípulos dito a confissão em Jesus como o Messias-Cristo, o filho do Deus vivo, e assim formulado aquela fé sobre a qual a Igreja se edifica e inaugurado a comunidade dos crentes fundada em Cristo. Mas precisamente neste lugar em que se evidencia o conhecimento de Jesus, que marca a cisão e a decisão a respeito da “opinião da multidão” e assim começa a formar-se a sua nova família, precisamente aí está o tentador — o perigo de tudo inverter no seu contrário. O Senhor explica imediatamente que o conceito de Messias deve ser compreendido tendo como base o conjunto da mensagem profética — que diz não ao poder mundano, mas sim à cruz e, portanto, a uma comunidade totalmente diferente que se origina precisamente a partir e através da cruz.
Mas isso Pedro não entendeu: “Tomando-O de parte, Pedro começou a repreendê-Lo dizendo: Deus te livre de tal, Senhor. Isso não há-de acontecer”. Se lermos essas palavras sob o pano de fundo da história das tentações -— como o seu retorno num instante decisivo —, então percebemos a incrivelmente dura resposta de Jesus: “Afasta-te de mim, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens” (Mt 16, 22s).
Mas não dizemos todos sempre de novo a Jesus que a sua mensagem conduz à contradição com as opiniões dominantes e assim ameaça com o malogro, o sofrimento, a perseguição? O império cristão e o poder secular do Papa já não constituem tentações hoje, mas há uma nova forma da mesma tentação que consiste em explicar o cristianismo como receita para o progresso e reconhecer como objetivo próprio da religião, e assim também do cristianismo, o bem-estar geral. Ela se veste hoje na questão: o que é que Jesus trouxe, se não introduziu um mundo melhor? Não deve ser este o conteúdo da esperança messiânica? No Antigo Testamento há duas linhas de esperança que o atravessam e que não podem separar-se uma da outra: a expectativa de um mundo santo, no qual o lobo está ao lado do cordeiro (cf. Is 11,6), no qual os povos do mundo se põem a caminho do monte Sião e no qual vale: “das suas espadas farão relhas de arado e das suas lanças foices” (Is 2,4; Miq 4, 1-3); ao lado está a visão do servo de Deus sofredor, de um Messias que redime através do desprezo e do sofrimento. Durante todo o seu caminho, e de novo nas conversas depois da Páscoa, Jesus tentava mostrar aos seus discípulos que Moisés e os profetas falavam d’Ele como exteriormente impotente, sofredor, crucificado e ressuscitado.
Ele tentava mostrar que precisamente assim é que as promessas se cumpriam. “Ó homens sem inteligência e lentos de espírito em crer em tudo quanto os profetas anunciaram” — assim se dirige o Senhor aos discípulos de Emaús (Lc 24, 25), e assim deve Ele também nos dizer de novo ao longo de todos os séculos, porque de fato julgamos que Ele devia ter trazido a grande idade de ouro se na verdade pretendia ser o Messias. Mas Jesus nos diz também o que objetou a Satanás e o que disse a Pedro e o que de novo explicou aos discípulos de Emaús, ou seja, que nenhum reino deste mundo é o reino de Deus, o estado de salvação da humanidade em absoluto. O reino humano permanece reino humano, e quem afirma que pode erigir um mundo santo concorda com o engano de Satanás, entrega-lhe o mundo nas mãos.
Então se levanta certamente agora a grande questão, que nos acompanhará ao longo de todo este livro: mas então o que é que Jesus realmente trouxe, se não trouxe nem a paz para o mundo, nem o bemestar para todos nem um mundo melhor? O que é que Ele trouxe? E a resposta é dada de um modo muito simples: Deus. Ele nos trouxe Deus. Ele trouxe aos povos da terra o Deus cujo rosto lentamente tinha antes se desvelado desde Abraão passando por Moisés e pelos profetas até a literatura sapiencial; o Deus que apenas em Israel havia mostrado o seu rosto e que, no entanto, tinha sido venerado sob múltiplas sombras entre os povos do mundo; este Deus, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, o verdadeiro Deus.
Ele nos trouxe Deus: agora conhecemos o seu rosto, agora podemos chamar por Ele. Agora conhecemos o caminho que como homens devemos percorrer neste mundo. Jesus trouxe Deus e assim a verdade sobre o nosso fim e a nossa origem; a fé, a esperança e o amor. Somente por causa da dureza do nosso coração é que pensamos que isso seja pouco.
Sim, o poder de Deus é suave neste mundo, mas é o verdadeiro, o poder que permanece. Parece que as coisas de Deus se encontram sempre “em agonia”. Mas se mostram como o que realmente subsiste e redime. As riquezas do mundo que Satanás podia mostrar ao Senhor desmoronaram-se entretanto. A sua glória, a sua doxa revelou-se apenas aparência. Mas a glória de Cristo, a glória do seu amor, humilde e sempre disposta para o sofrimento, nunca se desmoronou e nunca perecerá. Na luta contra Satanás, Jesus venceu: à mentirosa divinização do poder e do bem-estar, à mentirosa promessa de um futuro concedendo tudo a todos por meio do poder e da economia, Ele opôs o ser divino de Deus — Deus como verdadeiro bem do homem. Ao convite a adorar o poder o Senhor contrapõe uma palavra do Deuteronômio — o mesmo livro que o diabo tinha citado: “O Senhor teu Deus deves adorar e só a Ele servir” (Mt 4,10; Dt 6,13). O mandamento fundamental de Israel é também o mandamento fundamental para os cristãos: só Deus deve ser adorado. Veremos na meditação sobre o Sermão da Montanha que precisamente este sim incondicional à primeira tábua do Decálogo inclui o sim à segunda tábua — o respeito perante o homem, o amor para com o próximo. Tal como em S. Marcos, também em S. Mateus a história das tentações termina com esta afirmação: “Os anjos vieram e serviram-no” (Mt 4,11; Mc 1,13). Agora se cumpre o salmo 91,11: os anjos servem-no; Ele provou ser o Filho e por isso sobre Ele, como novo Jacó, o pai de um Israel tornado universal, está o céu aberto (Jo 1,51; Gn 28,12).
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Fonte: Jesus de Nazaré

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